quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A POSSIBILIDADE DE FAZER TEOLOGIA PELA VIA DA NEGAÇÃO [1]

Eder Marques


A reflexão central de nosso texto se ocupará em responder uma questão que consideramos de uma importância singular, para o desenvolvimento de uma teologia concentrada no senso do mistério Divino.

E a pergunta que de inicio fazemos, norteará todo o desenvolvimento, retratando o tema por nós proposto a apresentar. Será que podemos fazer teologia somente pela via da negação? Será que somente pelo apofatismo somos capazes de apresentar uma teologia coerente, e aceitável às pessoas que nos ouvem? E fundamentado em que, podemos acreditar que iremos ser bem sucedidos em nossa tentativa?

Primeiramente, o que nos enche de esperança, é presenciar nas Escrituras (a fonte mais confiável que temos para constituir um conceito exato sobre Deus), a possibilidade de construir uma teologia negativa.

Nossa argumentação dependerá profundamente de passagens das Escrituras, evidentemente. As Escrituras afirmam que Deus é o ser que ninguém jamais viu[2]. E este Ser que ninguém jamais viu, habita em uma luz inacessível[3]. A impossibilidade presente do acesso a este Deus, tem sido um assunto de considerável importância para as Escrituras Sagradas.

Com esta afirmação Bíblica, compreendemos o que está sendo posto diante de nós. A profunda diferença do nosso ser, diante do ser de Deus. A imortalidade e a inacessibilidade, contrariando a mortalidade e a corruptibilidade humana.

Em segundo lugar, temos o testemunho da patrística e do medievo[4]. Mesmo considerando todo esforço humano da teologia presente nestes períodos, as maiores tentativas de definições que conseguiram alcançar para falar sobre Deus, foram: incompreensível, indizível e inefável. Por inefável compreendemos a impossibilidade de afirmar algo sobre a essência de Deus (ontologicamente falando). O que nos vem em mente, quando pensamos no termo inefável é o que Paulo diz aos coríntios, a respeito de sua experiência mística, seu encontro com “Aquele que está além do horizonte, e acima de suas forças”[5].

O que nos traz um pouco de espanto (no sentido filosófico que nos leva a pensar), é ler que Paulo faz questão de enfatizar, que ele apenas ouviu, ele não disse que viu! Mas, somente ouviu; palavras inefáveis, que aos homens não é licito falar[6]. Esta afirmação paulina, no mínimo nos coloca em admiração profunda, e nos faz concordar com o filósofo neoplatônico Proco, “Ele é Trevas Divina”, a ausência na presença, e a presença na ausência, o silencio é Seu habitat natural. Mas ele, Paulo, disse que somente ouviu, imagine se ele tivesse visto? Se as palavras não tinham como descrever em termos humanos o que ele ouviu, muito menos teria possibilidade de descrever o que possivelmente pudesse ver.

Nesta impossibilidade de afirmar qualquer conceito sobre Deus, encontramos a utilidade da via da negação, conhecida por muitos como teologia apofática. No apofatismo teológico, temos como figura central, ou talvez seu maior expoente, um sírio conhecido por Dionísio, pseudo areopagita[7].

O que é importante que saibamos de inicio, no que se refere à “via da negação”, é que ela não é uma “a-teologia”, como bem disse Jonas Madureira em seu livro de filosofia publicado pelas edições Vida Nova. Mas sim um caminho, para uma proposta teológica, onde tem como parceira no labor, a teologia afirmativa, ou katafática, como muitos de nós a conhecemos.

Mas, o que tem tomado importância em nosso texto é somente o beneficio que a via da negação poderá nos trazer. E um dos grandes benefícios é nos fornecer novamente, o que temos perdido com o tempo, que é o senso do ministério Divino.

A banalização, e a vulgarização do Divino está presente nos nossos discursos, e nos nossos falsos conceitos sobre Deus. E talvez uma pitada de apofatismo, nos devolveria o que temos perdido, ou melhor, o que temos abandonado.

Concluímos que não somente é possível, como também é necessário construir, e constituir uma teologia negativa, que nos devolverá o senso do mistério Divino, afinal, temos que saber com quém estamos falamos, sobre o que estamos falando e o que falamos quando falamos.

Sabemos, que por mais que a via da negação dependa da via afirmativa para ser uma boa teologia, ou para se afirmar como teologia, assim como Dionísio, pseudo areopagita, neste atual momento, pela necessidade que nos encontramos, optamos pela primeira. “Negamos todo o sensível, todo inteligível. E pela via da negação nos uniremos com aquele que está acima de todo sentido, e de todo o inteligível” (teologia mística) .

Continuando a citar Dionísio, o Areopagita, “para falar afirmativamente Daquele que transcende toda a afirmação, seria preciso que nossa hipótese afirmativa tomasse apoio sobre o que está mais próximo Dele. Mas, para falar negativamente Daquele que transcende toda a negação, começa-se necessariamente por negar Dele o que está mais distante Dele”.

Mas, também como Gregório de Nissa, temos nossas ponderações. “Nem a todos, meus amigos, nem a todos cabe filosofar sobre Deus. Pois o assunto não é tão simples e baixo. Nem a todos, nem diante de todos, nem em qualquer momento, nem sobre todos os assuntos, mas, diante de certas pessoas, em certas ocasiões, e com certos limites”.


[1] Também conhecida por Teologia Apofática.

[2] Jo 1.18; 1Jo 4.12.

[3] 1 Tm 6.16.

[4]Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa, Pseudo Dionísio, João da cruz, Agostinho, Tomás de Aquino, Mestre Eckhart e muitos outros.

[5]BARTH, Karl. Catas Aos Romanos. Ed. Fonte Editorial. São Paulo. Pg, 36.

[6] 2 Cor 12.4.

[7]Sobre Pseudo Dionísio, trabalharemos melhor em outro texto futuro.

2 comentários:

  1. E aí, Eder! Como estás, meu brother?

    Lendo seu texto, lembrei de Lutero: Deo mysterium absconditus, tremendum et fascinosum est! [Deus é mistério oculto, terrível e fascinante!] (Is 45.15).

    Gostei muito de sua reflexão.

    Um abração, meu amigo,
    Jonas

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  2. Que bom que você gostou, isso é fruto do seu valioso trabalho.

    Que bela citação de Lutero, tem muito o que tenho procurado.

    Falou meu camarada.

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