domingo, 28 de fevereiro de 2010

A ONTOLOGIA NEOPLATÔNICA

Éder Marques


1. PRESSUPOSTO ONTOLÓGICO: CONCEITO GERAL.
            
        Existe uma ciência que tem como objetivo o estudo do Ser, e que se dedica às suas determinações necessárias, a ontologia. Por ontologia, entende-se o estudo que tem como fundamento ou paradigma o Ser, e aqueles caracteres que somente o Ser possui e não pode deixar de possuir.             
            O termo ontologia se encontra muitas vezes relacionado à palavra “metafísica”[1]. Poderíamos descrever mais detalhadamente diversos conceitos sobre o apontado termo, mas faltaria-nos tempo necessário para determinada apresentação; justamente pela amplitude do assunto, já antes desenvolvido por muitos ao longo da história da filosofia.
            No entanto, pela necessidade de localização, em busca de saber onde estamos iniciando a nossa pesquisa, e para onde estamos indo com ela, sugerimos uma definição etimológica aristotélica. Para Aristóteles metafísica é a “ciência Primeira, no sentido que fornece a todas as outras (ciências) o fundamento comum, isto é, objeto a qual todas se referem, sendo assim o princípio das quais todas dependem”[2]     
            Desta ciência procedem todas as outras e é, por isso, a ciência Primeira, enquanto seu objeto está implícito, nos objetos de todas as outras ciências e, enquanto consequência, o seu princípio condiciona a validade de todos os outros princípios.
            Nos livros VII, VIII e IX da metafísica de Aristóteles, é descrita, portanto, a metafísica como a substância (ousía). Entendendo-se por substância “aquilo que um Ser não pode deixar de ser, isto é, a essência necessária, que causa a necessidade de ser”.            
Assim, achamos por necessário como introdução ao nosso estudo, fornecer aos leitores um pouco de luz ao tema proposto por nós, encarnado este singelo apontamento, somente para nortear-nos a respeito do assunto que buscaremos trabalhar. Compreendendo a complexidade do assunto sugerido, como introdução ao nosso capítulo, ousamos apresentar o que segue. No entanto, deixaremos, a partir de agora, de tratar o assunto de uma forma geral, e nos concentraremos  em descrever o assunto fundamentado no pensamento neoplatônico. 

2. A ONTOLOGIA NEOPLATÔNICA: O UNO, SUA PRIMEIRA HIPÓSTASE.
        
          Para falarmos sobre o Ser (Ontos), que é um assunto central no pensamento neoplatônico; tentaremos não utilizar o termo antigo metafísica. Então, buscaremos apresentar o tema, utilizando um termo mais moderno por nome de ontologia, que no desenvolver da nossa pesquisa será transferido por Uno, ou retratada nele.  
            Entre muitos pensadores neoplatônicos[3] que poderíamos mencionar para melhor fundamentar na apresentação do estudo e nos fornecer um pouco mais de clareza ao assunto; por questões de prioridades, e de destaque nesta na escola neoplatônica, nos ocuparemos somente em apresentar um deles: Plotino, que em nossa percepção é fundamental para o desenvolvimente de todo o conceito ontológico do neoplatonismo.           
            “É impossível entender a originalidade e a novidade de Plotino[4] e, em particular, sua contribuição pessoal à “segunda navegação” (neoplatonismo), se não compreender a reforma estrutural que ele realiza tanto na metafísica platônica como na aristotélica e que leva a resultados, sob mais de um aspecto, revolucionário” (Reale, pag, 41). 
            É evidente que encontramos em Plotino esta originalidade,  e este presente conceito inovador, que por nós merece destaque e que, consequentemente, trouxe ao neoplatonismo um rompimento em relação à ontologia clássica. Tal originalidade, que fez de Plotino um pensador inovador, diz respeito à nova concepção do Uno.
            Se para Aristóteles a ousía era o princípio último do real, e a inteligência do Motor Imóvel, para Plotino, ao contrário, o princípio é ainda ulterior, é o Uno que transcende a própria ousía e o próprio Nous[5]. Plotino apresenta o Uno como fundamento e o princípio absoluto.
            Para Plotino, o Uno é considerado não como algo que possa ser definido e nomeável, mas como o principio absoluto do qual todas as coisas derivam, que transcende a toda afirmação e nomeação. E o termo de maior expressão que poderia retratar a realidade deste Uno plotiniano é: “ulterior”. Ou seja, ele (o Uno) está além até mesmo da essência que poderia retratá-lo, e do pensar que poderia imaginá-lo. O Uno de Plotino vai muito além de pensante e pensado.
            A característica fundamental do Uno plotiniano se percebe em sua demonstração como o Ser que se apresenta comportando em si a infinitude. Neste aspecto, Plotino rompe radicalmente com toda uma ontologia (metafísica) clássica. Como diz Reale em seu livro sobre o neoplatonismo: “Em Platão e Aristóteles (e, em geral, no pensamento grego), prevaleceu a idéia de que o infinito comportasse imperfeição (isto é, que fosse sinônimo de indeterminado e de-incompleto) ao passo que o finito (no sentido de de-terminado e completo) fora associado com o perfeito. Platão compreendera o princípio como limite (péras) e o princípio material como o ilimitado e o infinito (ápeiron)[6]. Aristóteles, por sua vez, declarara impossível a existência do infinito em ato e concebera o infinito como puramente  potencial, circunscrevendo-o à categoria da qualidade e, além disso, afirmara que o perfeito implica sempre em um fim e o fim um limite[7]. Plotino entendia ser a unidade a expressão da perfeição e da realidade, ou melhor, de toda realidade. Portanto a unidade é o princípio de perfeição e de realidade superior, um Ser onde está contido potencialmente toda multiplicidade.     
            A Ontologia neoplatonica, especificamente demonstrada por Plotino, produziu um efeito inovador em toda a maneria ontológica do pensar. A Plotino devemos esta inovação, este entendimento que o Uno é um Princípio ainda “ulterior”.   


[1] Ciência primeira, isto é, a ciência que tem como objeto próprio, o objeto comum de todas as outras, e como princípio próprio, um princípio que condiciona a validade de todas as outras. 
[2] Dicionário de Filosofia. Ed. Unesp.
[3] Amônio Saccas, Plutarco, Porfírio, Orígenes, o pagão e muitos outros.
[4] O grande mentor do neoplatonismo.
[5] REALE, Giovanni. Plotino e Neoplatonismo. Ed. Loyola, São Paulo.41.
[6] REALE, Giovani. Plotino e Neoplatonismo. Ed. Loyola. São Paulo. Pag, 44.
[7] Idem, pag. 44.

PONDO LENHA NA FOGUEIRA: QUAL A DATAÇÃO DO ÊXODO?


Com a ausência de outra literatura do Antigo Oriente relatando o evento do êxodo hebreu,[1] o AT se torna o documento principal para a sua datação e é complementado por evidências externas, tanto arqueológicas quanto literárias da época. Um texto central do AT para a descoberta da data do êxodo se encontra em 1 Reis 6.1. Ali, o leitor é informado que o rei Salomão iniciou a construção do templo no quarto ano de seu reinado, período reconhecido, majoritariamente, pelos estudiosos bíblicos como sendo próximo de 967-966 a.C.[2] Seguindo a informação do autor bíblico, de que a construção do templo iniciara 480 anos depois da libertação definitiva dos hebreus da escravidão, o êxodo deve situar-se por volta de 1446 a.C., durante o reinado do Faraó Amenotepe II[3] (aprox.1450-1421 a.C.).[4]
Outra indicação que favorece esta data antiga é a menção feita pelo juiz Jefté, em Juízes 11.26, perante os invasores amonitas, de que Israel já habitava na Transjordânia há trezentos anos. A vitória de Israel sobre Amom, debaixo da liderança de Jefté, ocorreu próximo a 1100 a.C., uma data amplamente aceita,[5] anterior ao rei Saul que começou a reinar cerca de 1.050 a.C.[6] Então, a conquista necessita ser datada perto do ano 1400 a.C., correspondendo a um êxodo de quarenta anos antes, próximo a 1440 a.C.
A referência de Jefté é por demais pertinente ao debate sobre a datação da saída israelita, porque o número de 1 Reis 6.1, 480 anos, tem sido visto como representativo de gerações ideais, cada uma representada por 40 anos, indicando 12 gerações.  Todavia, como cada geração inicia cerca de 25 anos depois da anterior, então, as 12 gerações de 1 Reis 6.1 deveriam ser igualadas a 300 anos, sugerindo a data de 1266 a.C. para o êxodo.[7] Porém, pelo fato de que os 300 anos citados pelo juiz Jefté não podem ser divididos por 40 anos, simbolizando gerações ideais, logo a teoria aplicada ao relato da construção do templo, não condiz com Juízes 11.26, requerendo, portanto, uma compreensão literal de ambas as narrativas feitas pelos historiadores bíblicos.[8] Petrovich acrescenta que a referência cronológica do texto de 1 Reis se dá mediante numeral ordinal, “quadricentésimo octogésimo ano”, dificultando ainda mais o uso figurado dele.[9]
Alguns fatos da história egípcia contribuem para uma data remota da libertação hebréia. O relato bíblico de Atos informa que Moisés tinha cerca de 40 anos quando matou o egípcio e fugiu para Midiã (At 7.23-29). Passados outros 40 anos, ele se encontra com Deus que o comissiona para libertar seu povo do jugo opressor (At 7.30-36). Isso se sintoniza com Êxodo 7.7 que afirma ter Moisés 80 anos quando se apresentou perante Faraó, reivindicando a libertação de Israel. O Faraó que buscou matá-lo (Êx 2.15), já não é mais o mesmo quando Moisés retorna (Êx 2.23; 4.19). Pois, o Faraó anterior morrera pouco antes do retorno do hebreu ao Egito (Êx 4.19), e depois de muito tempo do assassinato cometido por ele (Êx 2.23). Apenas um rei egípcio que reinasse muito tempo, cerca de 40 anos, poderia preceder o Faraó do êxodo. Dois Faraós surgem como candidatos entre os séculos XV e XIII, Tutmose III e Ramsés II.[10]
Há dificuldade na datação do êxodo após a época de Ramsés II (ca. 1301-1234 a.C.)[11], pois o relato bíblico afirma ter Israel andado durante 40 anos pelo deserto, até a sua chegada na Terra Prometida (Êx 16.35; Dt 2.7; 8.2). Conforme o texto da “Estela de Israel”, no quinto ano do reinado de Merneptá (1229 a.C.), o Faraó seguinte a Ramsés II, houve uma campanha militar realizada por ele na Palestina, na qual combateu e venceu Israel.[12] É completamente impossível encaixar os 40 anos de peregrinação hebréia dentro dos cinco primeiros anos de Merneptá.
Por outro lado, não existe nada contrário à possibilidade de que Tutmose III (ca. 1506-1552 a.C.)[13] tenha sido o rei egípcio, durante o reinado no qual Moisés fugiu e viveu no exílio por quarenta anos. A preocupação pessoal do Faraó em matar Moisés (Êxodo 2.15) sugere esta probabilidade, desde que o hebreu poderia muito bem ter sido adotado por Hatshepsute, madrasta e tia de Tutmose III, que reinou juntamente com ele por 20 anos.[14] Ela era a única filha de Tutmose I que teria coragem de enfrentar uma proibição expressa do pai, ao adotar Moisés (Êx 1.15-22),[15] e apenas ela se encaixa no relato de Êxodo 2.5-10, já que sua irmã falecera ainda na infância.[16] O medo de qualquer ameaça que Moisés pudesse representar à sua posição como soberano sobre o Egito, levaria, provavelmente, Tutmose III a um interesse especial em eliminá-lo.[17]
Outro paralelo entre o texto bíblico e a história egípcia, que indica Amenotepe II como o Faraó do êxodo, foi o ocorrido na décima praga. Deus havia prometido tirar a vida do primogênito do Faraó (Êx 4.22-23; 11.15) e assim o fez (Êx 12.29). Textos egípcios indicam fortemente que Tutmose IV, o herdeiro do trono de Amenotepe, não foi seu filho mais velho.[18] A famosa “Estela do Sonho” encontrada junto às patas da Grande Esfinge retrata o deus Harmaquis prometendo o trono ao jovem Tutmose, caso ele removesse a areia que ameaçava à esfinge: “Vê-me, olha para mim, meu filho Tutmoses! Eu sou teu pai, Harmaquis ... eu te darei o trono de Geb, príncipe real [dos deuses] ... as areias do deserto se amontoavam sobre mim, mas esperei para te permitir fazeres o que está em meu coração, pois sabias que és meu filho e meu protetor”.[19] Apenas se esta não fosse a expectativa normal de Tutmoses é que tal sonho teria explicação lógica.[20]
Diante das observações dos dados da história bíblica e do Egito Antigo, a conclusão inevitável é a datação do Êxodo por volta de 1446 a.C.


[1] BRIGHT, John. História de Israel. 7 ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 155-159.
[2] Ver MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 60; ARCHER, Gleason L., Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento?3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 139; PETROVICH, Douglas. “Amenhotep II and the historicity of the Exodus-Pharaoh”. InTHEOLOGICAL MASTER’S SEMINARY JOURNAL, v. 17, no. 1, p. 81-110, Spring, 2006. p. 83; KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old TestamentLondon: Inter-Varsity. 1966. p. 72.
[3] Também denominado em outras obras como Amenófis II. Ver BRIGHT, John. Op cit. p. 156; PINTO, Carlos Osvaldo. História do Oriente Médio Antigo. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2005. (Material não publicado – Apostila do curso de Mestrado em Teologia). p. 21-22.
[4] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 139; SCHULTZ, Samuel J. Habla el Antiguo Testamento: um examen completo de La historia y literatura del Antiguo Testamento. Disponível em www.graciasoberana.com. Acessado no 1º. Semestre de 2006. p. 36, 38-39;  MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 60-62; PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 83-84, 87.
[5] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 61.
[6] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 140.
[7] BRIGHT, John. Op cit. p. 158.
[8] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 61. Kitchen, apesar de propor que Jefté possa ter agregado o número de períodos simultâneos de Juízes, reconhece que “não temos nenhuma indicação sobre a qual construir”. Ver KITCHEN, K.A. Op cit. p. 74.
[9] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 85.
[10] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 145; MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 55.
[11] PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 24; ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 143-44.
[12] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 144-145.
[13] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 87.
[14] DEL PRADO. O mundo egípcio: deuses, templos e Faraós. Madrid: Del Prado, 1996. v. 1. p. 43.
[15] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 52, 54.
[16] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 106-107.
[17] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 54.
[18] Ver as evidências em PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 87-88.
[19] PRITCHARD, J.B (ed.). Ancient Near Eastern Texts. Princenton: Princenton University, 1950. p. 449. (Tradução do trecho por Carlos Osvaldo Pinto).
[20] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 56; PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 22.