quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A POSSIBILIDADE DE FAZER TEOLOGIA PELA VIA DA NEGAÇÃO [1]

Eder Marques


A reflexão central de nosso texto se ocupará em responder uma questão que consideramos de uma importância singular, para o desenvolvimento de uma teologia concentrada no senso do mistério Divino.

E a pergunta que de inicio fazemos, norteará todo o desenvolvimento, retratando o tema por nós proposto a apresentar. Será que podemos fazer teologia somente pela via da negação? Será que somente pelo apofatismo somos capazes de apresentar uma teologia coerente, e aceitável às pessoas que nos ouvem? E fundamentado em que, podemos acreditar que iremos ser bem sucedidos em nossa tentativa?

Primeiramente, o que nos enche de esperança, é presenciar nas Escrituras (a fonte mais confiável que temos para constituir um conceito exato sobre Deus), a possibilidade de construir uma teologia negativa.

Nossa argumentação dependerá profundamente de passagens das Escrituras, evidentemente. As Escrituras afirmam que Deus é o ser que ninguém jamais viu[2]. E este Ser que ninguém jamais viu, habita em uma luz inacessível[3]. A impossibilidade presente do acesso a este Deus, tem sido um assunto de considerável importância para as Escrituras Sagradas.

Com esta afirmação Bíblica, compreendemos o que está sendo posto diante de nós. A profunda diferença do nosso ser, diante do ser de Deus. A imortalidade e a inacessibilidade, contrariando a mortalidade e a corruptibilidade humana.

Em segundo lugar, temos o testemunho da patrística e do medievo[4]. Mesmo considerando todo esforço humano da teologia presente nestes períodos, as maiores tentativas de definições que conseguiram alcançar para falar sobre Deus, foram: incompreensível, indizível e inefável. Por inefável compreendemos a impossibilidade de afirmar algo sobre a essência de Deus (ontologicamente falando). O que nos vem em mente, quando pensamos no termo inefável é o que Paulo diz aos coríntios, a respeito de sua experiência mística, seu encontro com “Aquele que está além do horizonte, e acima de suas forças”[5].

O que nos traz um pouco de espanto (no sentido filosófico que nos leva a pensar), é ler que Paulo faz questão de enfatizar, que ele apenas ouviu, ele não disse que viu! Mas, somente ouviu; palavras inefáveis, que aos homens não é licito falar[6]. Esta afirmação paulina, no mínimo nos coloca em admiração profunda, e nos faz concordar com o filósofo neoplatônico Proco, “Ele é Trevas Divina”, a ausência na presença, e a presença na ausência, o silencio é Seu habitat natural. Mas ele, Paulo, disse que somente ouviu, imagine se ele tivesse visto? Se as palavras não tinham como descrever em termos humanos o que ele ouviu, muito menos teria possibilidade de descrever o que possivelmente pudesse ver.

Nesta impossibilidade de afirmar qualquer conceito sobre Deus, encontramos a utilidade da via da negação, conhecida por muitos como teologia apofática. No apofatismo teológico, temos como figura central, ou talvez seu maior expoente, um sírio conhecido por Dionísio, pseudo areopagita[7].

O que é importante que saibamos de inicio, no que se refere à “via da negação”, é que ela não é uma “a-teologia”, como bem disse Jonas Madureira em seu livro de filosofia publicado pelas edições Vida Nova. Mas sim um caminho, para uma proposta teológica, onde tem como parceira no labor, a teologia afirmativa, ou katafática, como muitos de nós a conhecemos.

Mas, o que tem tomado importância em nosso texto é somente o beneficio que a via da negação poderá nos trazer. E um dos grandes benefícios é nos fornecer novamente, o que temos perdido com o tempo, que é o senso do ministério Divino.

A banalização, e a vulgarização do Divino está presente nos nossos discursos, e nos nossos falsos conceitos sobre Deus. E talvez uma pitada de apofatismo, nos devolveria o que temos perdido, ou melhor, o que temos abandonado.

Concluímos que não somente é possível, como também é necessário construir, e constituir uma teologia negativa, que nos devolverá o senso do mistério Divino, afinal, temos que saber com quém estamos falamos, sobre o que estamos falando e o que falamos quando falamos.

Sabemos, que por mais que a via da negação dependa da via afirmativa para ser uma boa teologia, ou para se afirmar como teologia, assim como Dionísio, pseudo areopagita, neste atual momento, pela necessidade que nos encontramos, optamos pela primeira. “Negamos todo o sensível, todo inteligível. E pela via da negação nos uniremos com aquele que está acima de todo sentido, e de todo o inteligível” (teologia mística) .

Continuando a citar Dionísio, o Areopagita, “para falar afirmativamente Daquele que transcende toda a afirmação, seria preciso que nossa hipótese afirmativa tomasse apoio sobre o que está mais próximo Dele. Mas, para falar negativamente Daquele que transcende toda a negação, começa-se necessariamente por negar Dele o que está mais distante Dele”.

Mas, também como Gregório de Nissa, temos nossas ponderações. “Nem a todos, meus amigos, nem a todos cabe filosofar sobre Deus. Pois o assunto não é tão simples e baixo. Nem a todos, nem diante de todos, nem em qualquer momento, nem sobre todos os assuntos, mas, diante de certas pessoas, em certas ocasiões, e com certos limites”.


[1] Também conhecida por Teologia Apofática.

[2] Jo 1.18; 1Jo 4.12.

[3] 1 Tm 6.16.

[4]Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa, Pseudo Dionísio, João da cruz, Agostinho, Tomás de Aquino, Mestre Eckhart e muitos outros.

[5]BARTH, Karl. Catas Aos Romanos. Ed. Fonte Editorial. São Paulo. Pg, 36.

[6] 2 Cor 12.4.

[7]Sobre Pseudo Dionísio, trabalharemos melhor em outro texto futuro.

REPENSANDO A ADOÇÃO BIBLICAMENTE


PARTE 1

Carol Amy[1]



A DEFINIÇÃO DIVINA DA VERDADEIRA RELIGIÃO

Tiago 1.27 diz: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. Em nossa sociedade há muitas crianças que não são órfãs no sentido estrito da palavra. Elas têm pais vivos, mas esses são incapazes (geralmente por causa de atos do governo) ou não querem criá-las. Alguns perderam o direito paterno; outros se dispuseram voluntariamente a renunciar esse dever. Embora não sejam exatamente órfãs, elas não têm pais e precisam da proteção, conforto e orientação que um casal crente pode oferecer. Crer e obedecer a esta passagem pode tirar rapidamente o casal do desespero e da autopiedade e fazer com que encarem suas responsabilidades e oportunidades. Um casal pode ensinar a um órfão sobre o amor de Jesus. Lembre-se, é no serviço cristão que perdemos a vida por causa de Cristo e, portanto, nEle a achamos. É no serviço cristão que nossa verdadeira bênção é recebida e é em Cristo que encontramos a verdadeira alegria. Férteis ou não, solteiras ou casadas, somos chamadas para cuidar dos órfãos. Embora haja falta de bebês que possam ser adotados, existem outros meios disponíveis.[2]


Deus declara que ele é “o Deus grande, poderoso e terrível [...] que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestido” (Dt 10.17, 18). Somos encorajados a ser como Ele - a não amar apenas “de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1 Jo 3.18). Fazemos isto quando procuramos satisfazer a necessidade de outra pessoa, em vez de fecharmos nosso coração contra ela (veja 1 Jo 3.17).


A bênção de Deus não é prometida como um subproduto de se ter filhos. Sua bênção é, porém, o resultado do cuidar daqueles a quem Deus leva até você (Tg 1.25, 27). A alegria vem da obediente submissão a um Pai amoroso, quer Ele decida dar filhos a você biologicamente ou por outro meio, tal como adoção, ou cuidar de crianças durante um certo período de tempo.


As diretrizes das Escrituras em relação ao cuidar de outros devem motivar a mulher cristã estéril a fazer mais do que pagar impostos para cobrir os gastos com o bem-estar social. Contribuir para as casas de órfãos locais ou enviar dinheiro para as agências missionárias são meios de participar desses cuidados, mas Deus pode muito bem ter outro plano para ela. Ela não deve considerar a adoção, os cuidados eventuais de crianças, ou tornar-se guardiã legal de um órfão como segunda opção.


TODO CRISTÃO É UM FILHO ADOTIVO

Todo cristão é um filho adotivo de Deus. Embora a adoção seja raramente mencionada no Antigo Testamento (como no caso da adoção de Moisés pela filha de Faraó), o cuidar dos órfãos é mencionado freqüentemente. Além disso, a adoção é um tema importante no Novo Testamento. Romanos 8.15 nos diz: “Porque não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos pelo qual clamamos Aba, Pai”. O termo “Aba” é uma palavra aramaica que “corresponde ao nosso ‘papai’ ‘paizinho’”.[3] Isto mostra a intimidade do relacionamento entre nós e nosso pai adotivo, Deus. Em Gálatas 4.6, Paulo usa novamente a palavra “Aba” com respeito à adoção: “E, porque sois filhos, Deus enviou aos nosso corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. Em Romanos 8.23, somos encorajados a aguardar ansiosamente a plenitude de nossa adoção.


Nossa adoção como filhos de Deus não foi um acontecimento acidental ou uma segunda opção, uma decisão tomada por Deus como último recurso. As Escrituras declaram claramente que Deus nos escolheu e nos procurou: “[Ele] nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o bom propósito de sua vontade” (Ef 1.5). A adoção sempre fez parte do plano de Deus para nós. Nenhum de nós está na família de Deus por mérito próprio ou descendência. Ele nos procurou e nos comprou com seu próprio e precioso sangue. Deus se agradou em adotar-nos. Do mesmo modo, devemos ter prazer em cuidar dos órfãos.


Jesus ensina que tratar dos aflitos é uma das marcas do verdadeiro crente. Na parábola das ovelhas e dos bodes (Mt 25.31-46), o Senhor separa os seguidores fiéis dos falsos, notando que os verdadeiros cuidaram dos famintos, sedentos, nus, doentes, prisioneiros e estrangeiros necessitados. Nós éramos “estrangeiros e forasteiros” antes de sermos adotados por Deus, mas agora somos “concidadão dos santos e da família de Deus” (Ef 2.19). O ponto é claro: Deus certamente espera que cuidemos daqueles que estão fora da nossa família biológica como parte do seu plano de introduzir estranhos na casa do Pai.


SÓ PELA SUA JUSTIÇA

Temos de lembrar que só quando a justiça de Jesus é colocada sobre nós, mediante seu sangue derramado no Calvário, é que Deus pode olhar para nós. Romanos 5.6 diz: “Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Paulo declara em Romanos 3 que somos indignos. A mulher que estiver lutando com a idéia de adotar filhos deve pensar no amor de Deus por ela quando era completamente indigna e perdida. Deus cuidou dela quando era inimiga dEle. Estará ela disposta a cuidar de crianças que não são suas, que podem ser de raça mista ou deficientes físicas? Encoraje-a a entregar ao Salvador os cuidados e dúvidas suscitados pelo mundo. Ele irá fortalecê-la, encorajá-la e ajudá-la e tornar-se uma mãe para os órfãos.


ALGUNS EXEMPLOS PIEDOSOS

C.T. Studd era um formando rico, de boa aparência, da Universidade de Cambridge, e possuía tudo o que o mundo tem a oferecer; todavia, ele decidiu passar a vida como missionário nas selvas infestadas de malária da África. Studd declarou: “Se Cristo, que era Deus, morreu por mim, nada que eu faça pode ser chamado de sacrifício”. Esse deveria ser o grito do coração de todo crente. Alegria real e duradoura é encontrada quando perdemos a vida por causa de Jesus; ela não se encontra na preservação da nossa carne mortal nem em propagá-la. Embora haja alegria na concepção de filhos, este prazer não se compara absolutamente ao júbilo eterno que vem do serviço prestado a Deus.


Jenny[4] deveria estudar a vida de Amy Carmichael, que deixou a Inglaterra em 1895 e foi para a Índia, permanecendo ali até sua morte em 1951. Dependendo apenas da graça de Deus, ela resgatou uma criança após outra dos templos pagãos onde seriam sacrificadas ou usadas como prostitutas.[5]

[1] Fonte do Artigo: AMY, Carol. “Aconselhando mulheres que estejam pensando em adotar filhos”. In: FITZPATRICK, Elyse, CORNISH, Carol. Mulheres ajudando mulheres. Rio De Janeiro: CPAD, 2001. p. 246-249.

[2] Nota do dono do Blog: a autora aqui faz uma referência à realidade norte-americana.

[3] YOUNGBLOOD, Ronald F. Nelson’s Illustrated Bible Dictionary (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1995). p. 2.

[4] Nota do Dono do Blog: a autora faz referência a uma aconselhada sua.

[5] Nota do Dono do Blog: Amy Carmichael fez isso por meio de um orfanato conhecido como Donhavur Fellowship.

domingo, 8 de novembro de 2009

REPENSANDO A ADOÇÃO BIBLICAMENTE

INTRODUÇÃO AO TEMA

Ultimamente, por algumas razões, tenho pensado bastante sobre a questão da adoção de filhos. Especialmente, refletindo sobre o conceito popular de que “filho adotivo” é sinônimo de “filho problemático”. Geralmente, o argumento que ouço é o da experiência; e, para isso, citam-se diversos exemplos de filhos adotivos que deram problemas para os seus pais e se desviaram do evangelho.

Quando escuto esse tipo de discussão não consigo ser facilmente convencido por tal filosofia popular. Primeiramente, porque como cristão-protestante, creio que as Escrituras devem nortear todas as áreas de nossas vidas, inclusive a decisão sobre adotar uma criança. Em segundo lugar, pela falácia de tal argumento. Quantos filhos naturais não dão problemas aos seus pais? Além disso, o que seria melhor deixar uma criança entregue à própria sorte, num orfanato, debaixo da influência de ímpios, sem uma estrutura familiar, ou arregaçar as mangas, ajudar e expressar de forma concreta o amor do próprio Deus ao órfão? “Pai dos órfãos e juiz das viúvas é Deus em sua santa morada” (Sl 68.5).

Por fim, percebo da parte de pais que adotam, um atitude piedosa, a expressão da verdadeira religião descrita por Tiago: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta:visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.” “Visitar” aqui não é, simplesmente, ir a um orfanato, uma vez por mês com a igreja, mas ir de encontro às necessidades (“tribulações”) dos órfãos, em todos os aspectos, inclusive a paternidade e maternidade. Foi esta mesma disposição piedosa que vi em meus pais quando adotaram minhas duas irmãs há 20 e 15 anos atrás e, também, por parte de John Piper quando adotou sua filha Talitha:

“No dia 15 de Dezembro, John, Noël, Abraham e Barnabas deram as boas-vindas à Talitha Ruth de dois meses de idade. Ela veio aos braços de seu pai com um imenso sorriso ...

... Nós agradecemos a Deus, do fundo de nosso coração, por vocês, nossos amigos. Talitha é abençoada por ser bem-vinda não apenas por nossa família física, mas também, por nossa família de irmãos e irmãs crentes. Vocês já têm derramado tal amor, esperança e alegria sobre nós.

Nossa mais profunda oração pela Talitha é que, num dia, ela esteja diante do trono de Deus, entre os santos – entre todos vocês – por ser ela adotada uma segunda vez, por Deus.”[1]

Diante disso, compartilharei em forma de artigos, trechos de um capítulo escrito pela Dra. Carol Amy, no livro “Mulheres ajudando mulheres”, editado por duas conselheiras bíblicas, Carol Cornish e Elyse Fitzpatrick. A abordagem bíblica da Dra. Amy é perspicaz e profunda, sendo impossível lê-la sem uma reflexão séria. As duas editoras do livro são conselheiras bíblicas sérias e destaco, especialmente, a Elyse Fitzpatrick que ganhou minha admiração e respeito por sua confiança e defesa da suficiência das Escrituras.

Aguardem o próximo post e a primeira parte dos artigos de Carol Amy.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

É TOLICE ME CASAR COM ALGUÉM QUE EU SEI QUE MORRERÁ LOGO?


Pergunta ao Pr. John Piper:

Eu quero me casar, mas a mulher que eu amo tem uma doença crônica. Isto está se tornando cada vez pior. Alguns membros de minha família me dizem que eu não deveria me comprometer com ela, mas eu creio que Deus tem me chamado a servi-la desta forma. É tolice casar com alguém que morrerá logo?

Resposta do Pr. John Piper:

Isso é tolice? Não, isto não é tolice. Não, se todas as outras coisas estão em ordem, certo? Qualquer casamento poderia ser tolice, mas esta não é a razão principal.

Casar com um descrente seria tolice. Casar quando você é totalmente incompatível teologicamente, seria tolice. Casar quando você é imaturo ou não tem recursos seria tolice. Há muitas razões pelas quais um casamento seria tolo. Mas, amar alguém que está morrendo não é uma delas, eu creio; especialmente quando você está livre para casar quando a esposa morre.

Agora, eu sei que a pessoa que pergunta isso, não está pensando desta forma, como: “Ó, eu me casarei novamente dentro de três anos depois que ela morrer”. Esta não é a forma que eles pensam! Eles pensam: “Eu amo esta pessoa, eu quero viver com esta pessoa e quero cuidar dela!”. Eu creio que isto é lindo.

Por isso, eu fiz o casamento de um homem que estava morrendo de leucemia e o casamento durou menos que um ano. Todo mundo sabia que isso duraria menos que um ano. Isto é impressionante. Ela era linda e ele, belo. Nove meses depois ele estava morto e este era o esperado.

Eu conheci outra situação em que uma mulher casou com um homem com AIDS que havia vencido suas inclinações homossexuais. Esse casamento durou, talvez, cerca de seis anos e, então, ele morreu. E isso foi lindo.

Eu sei que deve ser muito doloroso para os pais olharem para isso e pensar: “Você não percebe quanto sofrimento isso trará para a sua vida?” Mas o que mais é novo e certo acerca da vida e do casamento?

Assim, eu diria que esta não é a principal questão aqui. A principal questão é: Você é capaz – teologicamente, pessoalmente, no uso de recursos – de amar harmoniosamente, docemente e profundamente, juntamente com Jesus, neste casamento?

Tradução: Tiago Abdalla

Texto original, disponível em inglês no link:

http://www.desiringgod.org/ResourceLibrary/AskPastorJohn/ByTopic/45/4208_Is_it_foolish_to_marry_someone_I_know_will_die_soon/

sábado, 12 de setembro de 2009

PURIFICAÇÃO: Uma Oração Puritana



Senhor Jesus, eu tenho pecado.

Permita que eu nunca venha a cessar de me angustiar por isso,

Nunca esteja satisfeito comigo mesmo, nem pense que alcancei o ponto da perfeição.

Mata a minha inveja, controle a minha língua, esmague o meu eu.

Dê-me a graça para ser santo, compassivo, gentil, puro, pacífico

Para viver para Ti e não para mim,

Para imitar tuas palavras, atos, espírito, ser transformado à Tua semelhança,

Ser consagrado completamente a Ti e viver completamente para a Tua glória.



Liberta-me do apego à coisas impuras, das companhias erradas,

Do predomínio das paixões más,

Da adulação do pecado bem como de seu abismo.

Que com uma auto-aversão, profunda contrição, uma busca intensa de coração

Eu venha a Ti, lance-me sobre Ti, confie em Ti, seja liberto por Ti.


Ó Deus, Sempre Eterno,

ajuda-me a perceber que todas as coisas são sombras, mas Tu és a substância,

Todas as coisas são como a areia movediça, mas Tu és a montanha,

Todas as coisas são móveis, porém, Tu és a âncora,

Todas as coisas são ignorância, porém, Tu, a sabedoria.



Se minha vida deve ser um crisol em meio ao calor abrasador, que assim seja,

Mas assenta-Te próximo à fornalha, a fim de que observes o ouro,

Para que nada seja perdido.

Se eu tenho pecado obstinadamente, aflitivamente, angustiosamente,

Em graça, arranque meu choro e dê-me música;

Remove as minhas vestes de saco e vista-me com a beleza;

Acalma meus suspiros e enche minha boca com um cântico,

Então, concede-me o verão de um cristão.



Tradução:
Tiago Abdalla

Fonte: Arthur Bennett (ed.). “Purification”. In: The Valley of Vision: A Collection of Puritan Prayers & Devotions.

domingo, 23 de agosto de 2009

DEUTERONÔMIO: ESCRITO DE MOISÉS OU UMA FRAUDE PIEDOSA?

Tiago Abdalla T. Neto


Determinar a autoria e o Sitz im Leben do Deuteronômio é desafiador, desde que a erudição bíblica vem propondo diversas possibilidades para a origem do livro. Sugestões que remontam à época de Moisés até o período pós-exílico são feitas e não se chega a um consenso geral. Portanto, faz-se necessária a exposição das várias propostas de datação do livro e uma conclusão sobre aquela que mais adequadamente faz jus ao texto.

Em 1805, W. M. L. de Wette propôs que o Deuteronômio provinha de uma fonte à parte do restante do Pentateuco, cuja origem se deu no século VII a.C., pouco antes do reinado de Josias.[1] Mais adiante, tal tese fora sustentada por K. A. Riehm[2] e, então, desenvolvida, estabelecida e popularizada entre os eruditos por Julius Wellhausen, em 1876, o qual via a composição do livro por profetas da época de Josias que o esconderam no templo para, em seguida, ser “achado” e dar impulsão à reforma promovida pelo rei, legitimando a adoração central em Jerusalém.[3] Apesar de ser contestada por vários estudiosos, a proposta de uma autoria não mosaica para o livro, dentro do século VII, continua a receber o apoio maior da academia teológica.[4]

1. A proposta de datação no século VII a.C.

Alguns pontos importantes, observados por aqueles que defendem uma data do século VII a.C. para o Deuteronômio devem ser aqui contemplados. Primeiramente, o desenvolvimento legal e religioso hebreu que o livro parece apresentar. Na lei a respeito da escravidão há algumas diferenças entre o Código da Aliança (C.A. – Êx 20 - 23), em Êxodo 21.1-11, e Deuteronômio 15.12-18.[5] A prescrição em Deuteronômio demonstra uma preocupação mais humanitária, pois, ordena que o escravo alforriado seja recompensado pelo seu trabalho (Dt 15.13-14), algo completamente ausente no C.A. Enquanto em Êxodo, apenas o escravo homem sai à forro (Êx 21.2, 4, 7), em Deuteronômio há uma igualdade de direitos (Dt 15.12).

Além disso, a escola deuteronomista desenvolve um conceito transcendente de Deus.[6] O santuário não é mais o lugar onde Deus habita (cf. Sl 76.3), mas o lugar em que ele fez “habitar seu nome” (Dt 12.11; cf. 1 Sm 7.13; 1 Rs 3.2; 5.17; 8.17-20, 44, 48). Assim, a fim de corrigir a idéia de que Deus habitava no templo, o deuteronomista acrescentou, no livro dos Reis, à frase “lugar da tua habitação” a expressão “nos céus” (cf. 1 Rs 8.30, 39, 43, 49). Ainda, na tentativa de combater a imaginação popular acerca de Deus, o Deuteronômio descreve a Arca da Aliança com uma função meramente educativa, na qual ela contém as tábuas com os dez mandamentos e ao seu lado é depositado o livro da Lei que é lido para o povo, a fim de ensiná-lo a temer o Senhor (Dt 31.26 com os vv. 12-13). Isso parece uma mudança radical com a idéia proposta por outras partes do Pentateuco, nas quais a Arca é representada como a carruagem ou trono divino (Êx 25.10-22) sobre o qual Deus se assenta e vai adiante do povo para dispersar seus inimigos (Nm 10.33-36).

Historicamente, a reforma religiosa e a restauração da adoração no templo em Jerusalém, sob os reinados de Ezequias e Josias, é um fenômeno que sugere um ambiente propício para a reforma profética contida e promovida no Deuteronômio. Pais da Igreja já sugeriam que o livro da lei encontrado por Josias (2 Rs 22) era o Deuteronômio[7] e maioria dos principais proponentes da redação do livro no século VII a.C., reconhecem que o livro foi composto entre a queda de Samaria no reino do Norte (722 a.C.) e o começo do reinado de Josias, sendo o propulsor, não o resultado da reforma descrita em 2 Reis 22 e 23.[8]

A centralização do culto em Jerusalém narrada em 1 Reis 23.8-20, 27, sob o governo de Josias, encontra um paralelo forte com a centralização do culto ordenada em Deuteronômio 12 e difere da pluralidade de locais de adoração permitidos no C.A. (Êx 20.24). A celebração da Páscoa no lugar central de adoração, “escolhido por Deus”, prescrito em Deuteronômio 16.1-8 encontra uma semelhança significativa com a celebração promovida por Josias em Jerusalém, no templo (2 Rs 23.21-23).

Por fim, os conhecidos Tratados Vassalos de Esaradon (VTE),[9] do século VII, se assemelham com a estrutura da aliança de Deuteronômio. Em ambos os casos, a população inteira era reunida para fazer o juramento de lealdade e não se comprometiam apenas por si mesmos, mas, também, pelas futuras gerações (cf. Dt 29.9-11, 14; VTE 4-7).[10] Tanto no VTE quanto no Deuteronômio é requerido do vassalo que ame “com todo o coração e toda a alma” o seu suserano (Cf. Dt 6.5).[11] Além disso, a série completa de maldições diante da quebra da Aliança em Deuteronômio 28.23-35, aparece na ordem idêntica das linhas 419-430 dos VTE, caso os reinos vassalos se rebelassem contra o imperador assírio e, por conseqüência, contra Ashur, o deus assírio.[12]

2 . Outras propostas de datação pós-mosaicas

Outros estudiosos, por entenderem ser inadequada a datação no século VII a.C., vêm propondo datas distintas para a redação do núcleo principal de Deuteronômio, tanto antes quanto depois das reformas de Ezequias e Josias.

Adam C. Welch e Theodor Oestreicher propuseram uma data do décimo século, entre os reinados de Davi e Salomão, para a redação do Deuteronômio.[13] A argumentação é que a reforma de Josias (2 Rs 22 – 23) não tinha por alvo a centralização do culto em Jerusalém, mas a purificação dos elementos pagãos assírios (cf. 2 Rs 23.4-20, 24). A reforma se preocupou, portanto, com Kultreinheit (pureza de culto) e não com Kulteinheit (unidade de culto).[14]Além disso, ela fora iniciada alguns anos antes da descoberta do livro, não depois (2Cr 24.3). O “livro da lei” apenas deu um novo ímpeto à reforma.

Afirma-se, também, que Deuteronômio 12.13ss. não faz apologia a um santuário central, necessariamente, mas aos santuários autorizados de YHWH. O texto, assim, é uma defesa do Yahwismo contra o Baalismo e a tradução do texto hebraico proposta por Oestreicher é: “Guarda-te que não ofereças os teus holocaustos em todo lugar que vires, mas em qualquer lugar que o Senhor escolher emqualquer das tuas tribos”.[15] Deste modo, o texto expressava, de forma diferente, a mesma verdade contida em Êxodo 20.24: “Façam-me um altar de terra e nele sacrifiquem-me os seus holocaustos e as suas ofertas de comunhão, as suas ovelhas e os seus bois. Onde quer que eu faça celebrar o meu nome, virei a você e o abençoarei” (Êx 20.24). Seria incrível a exigência de que toda a população deveria subir a Jerusalém na época da colheita, quando a ausência total das fazendas não poderia ocorrer. Portanto, o adorador iria ao santuário de Javé mais próximo.[16]

Segundo Welch, várias leis de Deuteronômio são demasiadamente primitivas para a monarquia judaica posterior, mas não para o início da monarquia, num momento de transição com o período de Juízes.[17] Ele defendeu que as tradições contidas no Deuteronômio eram produto do movimento religioso iniciado por Samuel, no Norte de Israel, que alcançaram sua forma escrita durante o período da monarquia unida.[18]Assim, a prescrição da lei de homicídio cujo autor fosse desconhecido, que orientava o exercício do julgamento por meio de sacerdotes (Dt 21.-9) como, também, o regulamento sobre a proibição ou permissão de determinados grupos estrangeiros participarem da assembléia do Senhor (Dt 23.1-8), encontrariam sentido no período transitório Juízes - Reino Unido, mas não na época da monarquia do século VII.

Teólogos como R. K. Kennett e G. Hölscher propõem uma data para o livro no período exílico e pós-exílico em círculos sacerdotais.[19]O entendimento deste Sitz im Leben se dá por questões como a impossibilidade de que um reformador da época de Josias escrevesse leis como as que constam nos capítulos 13 e 17, quando a grande maioria das cidades de Judá, inclusive Jerusalém, estavam contaminadas pela idolatria conforme testificam os livros de Reis e Crônicas. Tais leis implicariam na morte de comunidades inteiras em Israel no século VII.

Ainda mais, dificilmente a lei de Deuteronômio 17.15, que trata sobre reis estrangeiros, poderia ter sido escrita quando um príncipe da casa de Davi estivesse assentado firmemente sobre o trono. Hölscher, outrossim, identificou paralelos de linguagem em textos de Malaquias e Neemias com aquela encontrada em Deuteronômio, o que favorece uma data pós-exílica (cf. Ml 1.2, 6, 8; 2.1-2, 4-5, 8; 3.1, 3; Ne 13.25-27).[20]

3. A proposta de datação e autoria mosaicas

Vários estudiosos do AT e egiptologistas defendem a autoria mosaica do livro de Deuteronômio, seguindo as tradições judaica e cristã.[21] Há muitas indicações que favorecem tal proposta. Primeiramente, o próprio texto afirma a atividade redatorial de Moisés que “escreveu esta lei” e, uma vez mais, “... Moisés terminou de escrever num livro as palavras desta lei ...” (Dt 31.9, 24-26). Há um consenso de que as menções sobre a redação mosaica da lei se refiram, pelo menos, aos capítulos 12 – 26.[22] Todavia, com as indicações adicionais da exposição da lei por parte de Moisés em 1.1 – 4.40, 5.1 – 26.19, 27, 28.1 – 31.8, sua autoria pode se estender a estas partes do livro, também, além do cântico no capítulo 32 que é atribuído a ele (cf. 31.19, 22).[23]

As referências a ocasiões que devem ter suscitado os sentimentos de Moisés aparecem de forma inesperada no texto, favorecendo sua autoria, como a “casa da servidão” (5.6; 7.8; 8.14), a lembrança do ataque amalequita (25.17ss), do peso em julgar o povo (1.9-12) e das murmurações da nação (9.22-24).[24]Ainda mais, as recordações de detalhes como a irrigação artificial das plantas no Egito (11.10) e o horário da partida do Egito (16.6), além da menção da intercessão de Moisés em favor de Arão depois da quebra da aliança (9.20ss), cujo incidente não é referido no relato de Êxodo, combinam muito bem com um autor que experimentou tais situações, mas, não fariam qualquer sentido caso viessem da lavra de alguém que desejasse promover uma reforma religiosa no século VII a.C.[25]

O posicionamento de Israel no livro se dá, claramente, não dentro de Canaã, mas fora, prestes a adentrar nela. Isso é indicado pelo fato de que a terra ainda será possuída ou herdada pelo povo, a qual ficava além do Jordão (3.20, 25; 4.5, 14; 5.31; 11.30; 12.10; 18.9).[26] Em nenhum momento do livro há qualquer referência a Judá e Efraim, ou Norte e Sul, enquanto nações separadas. As tribos são vistas como entidades distintas (1.13, 15; 5.23; 12.5, 14), mas contidas no todo (29.10), como a expressão “todo o Israel” deixa transparecer (1.1; 5.1; 13.11; 21.21; 27.9; 29.2; 31.1, 7, 11; 32.45).[27]

A perspectiva contrária à influência da religiosidade cananita que o autor de Deuteronômio apresenta, é de um perigo futuro a ser enfrentado por Israel, não uma realidade presente na qual o povo está envolvido, como se deu na reforma de Josias (2 Rs 23.4-24). Isso pode se constatar pela exortação a uma lealdade exclusiva ao Senhor, não servindo “deuses quenão conhecestes” (Dt 11.28, grifo do autor; cf. 13.2, 6, 13).[28] Ainda, se aqueles que defendem a autoria do livro no século VII, dizem que o objetivo do grupo reformador profético era abolir os “lugares altos” (B`mot) e centralizar o culto no templo em Jerusalém, por que eles nunca são mencionados? Não se menciona nenhuma vez os “lugares altos” e Jerusalém como o local central de adoração não é nem deixada subtendida.[29] Como observou com perspicácia o teólogo Carlos Osvaldo Pinto:

... parece claro que se Deuteronômio foi uma “fraude piedosa” projetada para legitimar Jerusalém como santuário único, seu autor fez um péssimo trabalho, pois a cidade jamais é mencionada no livro. Ao contrário, Deuteronômio prescreve a construção de um altar no monte Ebal, na região de Samária, rival de Jerusalém, e a celebração da renovação da aliança ali![30]

A leitura feita pelos que defendem uma data na época da reforma josiânica, de que o Deuteronomista apresenta um conceito posterior e transcendente de Deus, diferente de outras fontes encontradas no Pentateuco, como, por exemplo, a menção do templo não sendo mais o lugar da habitação de Deus, mas do “nome de Deus”,[31] cai por terra quando se examina o texto cuidadosamente. O uso dos textos de Deuteronômio 12.11 e de 1 Reis 8.30, 39, 43, 49 para fundamentar sua perspectiva (textos, classicamente, atribuídos ao Deuteronomista), é inconsistente com seu contexto próximo. No capítulo 12 de Deuteronômio, o santuário central é apresentado como local da própria habitação e presença de Deus nos versos 5, 7 e 18. O mesmo se dá em 1 Reis 8, nos versos 13, 63-65. A não ser que se divida o texto numa colcha de retalhos,[32] é impossível ver uma distinção entre os conceitos de “presença de Deus” e “nome de Deus” nos escritos assim chamados deuteronomistas. A observação de Walter Kaiser auxilia no entendimento desta questão:

O próprio von Rad notou, porém, que o “nome” já estava presente em Êxodo 20:24 e Êxodo 31. O “nome” aqui, como na teologia antecedente, representava a totalidade do ser, do caráter e da natureza, assim como foi empregada a palavra “nome” na proibição dada no Sinai quanto a tomar o nome do Senhor Deus em vão.

... Não existe nenhuma evidência no sentido de que Deuteronômio ou Moisés rejeitavam de qualquer forma este assim-chamado [sic] conceito dialético da habitação divina. O céu não é a moradia exclusiva de Deus – Ele pode “sentar-se” ou “estar entronizado” ali, mas Ele também “tabernaculava” na terra. E Deuteronômio acrescentou à lista das Suas manifestações de Si mesmo a Israel – o lugaronde faria Seu nome (Sua pessoa) habitar. Aquilo de que Deus já era dono, Ele agora abertamente possuiu ao mandar “colocar” ou “chamar” Seu nome sobre ele.[33]

Um fator final que favorece a escrita de Deuteronômio no segundo milênio, na época de Moisés e não no primeiro milênio, época de Josias, é a semelhança muito maior de tratados do segundo milênio com o livro do que com os do milênio posterior, conforme a argumentação de Weinfeld.[34] K. A. Kitchen afirma claramente: “À luz de tal padrão de medida tangível (especialmente quando as formas do primeiro milênio são completamente diferentes) datar Deuteronômio cerca de 621 a.C. ... é simplesmente um erro grotesco, sem nenhuma base, na verdade”.[35]

O livro de Deuteronômio é uma renovação da aliança do Sinai e sua estrutura em muito se assemelha com as formas encontradas nos tratados de vassalagem hititas da última metade do segundo milênio.[36] As seguintes características são comuns tanto em Deuteronômio quanto nos tratados hititas: (1)Título ou Preâmbulo (Dt 1.1-5)[37]; (2) Prólogo Histórico (Dt 1.6 – 3.29)[38]; (3) Estipulaçõesou Mandamentos (Dt 4, 5 – 26)[39]; (4)Depósito do Texto e Leitura Pública (Dt 31.9-13, 24-26)[40]; (5) Testemunhas (Dt 31.16-30; 32.1-47)[41]; Bênçãos e Maldições (Dt 28.1-68)[42].

Quando se compara o livro de Deuteronômio com os tratados neo-assírios e neo-babilônicos (primeiro milênio) percebe-se pouca semelhança. Nestes não há a menção de bênçãos que acompanham as maldições.[43]Também, não existe qualquer prólogo histórico nem indicação de depósito do texto e leitura posterior, o que é típico do segundo milênio.[44] Kenneth Kitchen, ainda, observou que o uso da palavra hebraica berît (aliança) juntamente com 'alâ(juramento) numa construção literária de hendíade, conforme aparece em Deuteronômio 29.12, 14 (NVI), é compartilhada apenas com os tratados hititas do segundo milênio, não encontrando qualquer paralelo nos tratados do milênio posterior.[45]

Agora, se tomamos a natureza e a ordem de quase todos os elementos da aliança do Sinai e suas renovações, como brevemente alistadas acima e as comparamos com os padrões dos tratados da parte final do segundo milênio e os tratados do primeiro milênio já delineados, é notavelmente evidente que a aliança do Sinai e suas renovações devem ser agrupadas com as alianças da parte final do segundo milênio; são inteiramente diferentes em estrutura das alianças do primeiro milênio e compartilham apenas o indispensável núcleo comum (título, estipulações, testemunhas e maldições) e alguma terminologia. Em outras palavras, diante da total evidência agora disponível, a visão original de Mendenhall está correta, de que na forma a aliança do Sinai corresponde aos tratados do fim do segundo milênio e não àqueles do primeiro.[46]

Diante de todas as posições expostas neste trabalho, para o autor, atribuir o texto encontrado em Deuteronômio a Moisés e datá-lo no Segundo Milênio é a opção mais plausível e honesta a se fazer, numa perspectiva científica. Obviamente, isto não exclui pequenas edições posteriores, provavelmente, inseridas por algum editor da geração seguinte a Moisés (cf. Dt 2.10-12; 34).[47]




[1] DE WETTE, W.M.L. Dissertatio critico-exegetica, qua deuteronomium a prioribus Pentateuchi libris diversum, alius cuiusdam recentioris auctoris opus ese monstratur. Halle: 1805.

[2] SELLIN, Ernst, FOHRER, George.Introdução ao Antigo Testamento. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1977. v. 1. p. 230.

[3] LASOR, William S., et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 124; THOMPSON, J.A. Deuteronômio: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982. p. 57; WALKER, L.L. “Deuteronomy”. In:TENNEY, Merril C. The Zondervan pictorial encyclopedia of the Bible. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1976. v. 2. p. 112; PINTO, Carlos Osvaldo. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 159-160.

[4] Ver THOMPSON, J.A. Op cit. p. 56-65.

[5] WELLS, Roy D. “Deuteronomist/Deuteronomistic historian”.In: MILLS, Watson E., BULLARD, Roger Aubrey (eds). Mercer Dictionary of the Bible. 2 ed. Macon, G.A.: Mercer University Press, 1998. p. 210.

[6] WEINFELD, Moshe. “Deuteronomy, book of”. In: FREEDMAN, D. (ed.). Anchor Bible Dictionary. New York: Doubleday, 1992. v. 2. p. 175-176.

[7] SELLIN, Ernst, FOHRER, George. Op cit. p. 230.

[8] Ver THOMPSON, J. A. Op cit. p. 56-65.

[9] A sigla VTE corresponde ao inglês Vassal Treaties of Esarhaddon.

[10] WEINFELD, Moshe. Op cit. p. 170.

[11] Idem. Ibid.

[12] Idem. Ibid.

[13] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 53-55; ARCHER, Gleason L., Jr. Merece confiança o Antigo Testamento?. 3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 488-189. Após analisar as várias propostas de datação para o Deuteronômio, J. A. Thompson chega a uma conclusão próxima àquela que Welch e Oestreicher defendem. Ver sua obra citada, p. 66-67.

[14] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 53; ARCHER, Gleason L., Jr. p. 488.

[15] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 53.

[16] Idem. p. 54.

[17] ARCHER, Gleason L., Jr. p. 489.

[18] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 54; SELLIN, Ernst, FOHRER, George. Op cit. p. 241.

[19] MANLEY, G.T. “Deuteronômio, livro de”.In: DOUGLAS, J.D (ed.). O novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966. v. 1. p. 412; THOMPSON, J. A. Op cit. p. 65-66; ARCHER, Gleason L., Jr. p. 489-491.

[20] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 66.

[21] KLINE, Meredith G. “Two tables of the covenant”. In: WESTMINSTER THEOLOGICAL JOURNAL, v. 22, no. 2, 1960. p. 133-146; HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005. p. 214-215; MANLEY, G.T. Op cit. p. 412-414; ARCHER, Gleason L., Jr. Op cit. p. 173-183; WALKER, L.L. Op cit. p. 112-116; ROBINSON, George L. “Deuteronomy”. In: ORR, James. The international Standard Bible encyclopedia. Grand Rapids, Michigan: Eerdans, 1943. (Versão eletrônica disponível em Bíblia Online 3.0 – Módulo Avançado); KITCHEN, K. A. The Old Testament in its context 2: from Egypt to the Jordan. United Kingdom: Biblical Studies, 1971. Disponível emhttp://www.biblicalstudies.org.uk. Acessado em Março de 2009. p. 4-8.

[22] THOMPSON, J. A. Op cit. p. 49; MANLEY, G.T. Op cit. p. 413.

[23] KITCHEN, K. A. Op cit. p. 4-5.

[24] MANLEY, G.T. Op cit. p. 413; WALKER, L.L. Op cit. p. 114.

[25] WALKER, L.L. Op cit. p. 114-115.

[26] ROBINSON, George L. Op cit. (Versão eletrônica); ARCHER, Gleason L., Jr. Op cit. p. 175-176.

[27] ARCHER, Gleason L., Jr. Op cit. p. 179; WALKER, L.L. Op cit. p. 115; ROBINSON, George L. Op cit. (Versão eletrônica).

[28] WALKER, L.L. Op cit. p. 115.

[29] MANLEY, G.T. Op cit. p. 412-413.

[30] PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 160.

[31] WEINFELD, Moshe. Op cit. p. 176. Ver a argumentação apresentada na página 4 desta monografia.

[32] O próprio Weinfeld reconhece o suposto “conflito” entre o verso 13 e os demais versículos do texto de 1 Reis 8. Sua explicação é que o Deuteronomista reeditou essa oração salomônica, acrescentando a expressão “nos céus” no versos que se referiam ao lugar da habitação de Deus (v. 30, 39, 43, 49), a fim de combater uma idéia antiga de que Deus habitava no templo. Ver WEINFELD, Moshe.Op cit. p. 175-176.

[33] KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 138.

[34] WEINFELD, Moshe. Op cit. p. 169-171. Ver exposição acima, página 5.

[35] KITCHEN, K. A. Op cit. p. 9.

[36] KLINE, Meredith G. “Two tables of the covenant”. In: WESTMINSTER THEOLOGICAL JOURNAL, v. 22, no. 2, 1960. p. 140-142; KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. London: Inter-Varsity, 1966. p. 98-99.

[37] KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 92, 96. Todos os dezenove tratados hititas com o começo conservado contêm o Preâmbulo. Ver KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. In: TYNDALE BULLETIN, v. 40, no. 1, 1989. p. 126.

[38] KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 92-93, 96. O Prólogo Histórico ocorre em vinte e dois de vinte e quatro documentos hititas bem preservados. Ver KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 126.

[39] KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 93, 97. As estipulações sobrevivem em todos os vinte e quatro textos hititas em bom estado. Ver KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 126.

[40] KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 93, 97. O depósito do texto é explícito em quatro documentos e a leitura pública em outros quatro, ainda que não apareça em seis documentos completos. Todavia, dez textos em bom estado estão dissolvidos nesta parte. A probabilidade é que houvesse até dezessete textos contendo esta seção. Ver KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 126.

[41] As testemunhas se encontram presentes em vinte documentos. Os deuses pagãos que eram invocados como testemunhas do tratado não aparecem na Renovação da Aliança em Deuteronômio. Porém, o Cântico de Moisés (Dt 31.16-20; 32.1-47) e o próprio Livro da Lei (Dt 31.26) ocupam essa função como testemunhas da Aliança. Ver KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 93, 97; __________________. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 126; KLINE, Meredith G. Op cit. p. 142.

[42] Aparecem, também, nos tratados hititas, mas na ordem inversa. Quinze bons textos hititas possuem esta seção na parte final, semelhantemente, ao livro de Deuteronômio. Em outros dez textos esta seção foi perdida. Ver KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 93, 97; __________________. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 127.

[43] KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 128-129; ______________. Ancient Orient and Old Testament. p. 96.

[44] KLINE, Meredith G. Op cit. p. 139-141; KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 95; KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 132-133.

[45] KITCHEN, K.A. “The fall and rise of covenant, law and treaty”. p. 131.

[46] KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 98-99.

[47] PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 161.