sábado, 15 de maio de 2010

WAYNE GRUDEM


Quem transita pelo meio teológico, certamente, já ouviu falar em Wayne Grudem.

Ph.D. pela Universidade de Cambridge e professor da reconhecida Trinity Divinity School, Grudem tem escrito várias obras nas áreas de Teologia Sitemática e de Teologia Prática. Eu, pessoalmente, fui influenciado pela sua literatura, quando li, em meu 4o. ano de seminário, a sua opus magna Teologia Sistemática (Ed. Vida Nova), e venho sendo muito abençoado, no ministério, pelos seus dois livros editado sobre Masculinidade e Feminilidade Biblicas, um deles em co-edição com John Piper - Biblical Foundations for Manhood and Womanhood e Recovering Biblical Manhood and Womanhood: a response to evangelical feminism. Esta duas obras têm, inclusive, servido de base para as nossas Escolas Bíblicas na igreja em que pastoreio (IBNE).

Segue um vídeo informativo e divertido sobre este importante teólogo.





Se fosse resumir em algumas palavras as qualidades de Grudem, diria que ele é profundo em sua abordagem bíblica, claro em seu desenvolvimento teológico, relevante nas aplicações e sensível às diferenças existentes no meio evangélico conservador. Há aspectos teológicos que discordo de Grudem, mas, certamente, aqueles que lerem as obras deste teólogo serão provocados à reflexão e edificados na fé. Vale a pena "ler Wayne Grudem".

Abaixo alguns links que você pode acessar para conhecer adquirir livros de Grudem:

Teologia Sistemática

Entenda a Fé Cristã

Famílias Fortes, Igrejas Fortes

Manual de Doutrinas Cristãs

Cessaram os Dons Espirituais?

domingo, 25 de abril de 2010

A EXPRESSÃO "EU SOU" NO EVANGELHO DE JOÃO

Seu Contexto Bíblico e Implicações Cristológicas

Tiago Abdalla T. Neto

           Há uma percepção entre os estudiosos do Novo Testamento, de que a cristologia apresentada pelo evangelho de João aprofunda e expressa, de forma mais clara que os outros evangelistas, a divindade de Jesus (cf. 1.1, 18; 20.28). Ali, por exemplo, encontramos a declaração direta de Tomé, após se deparar com o Jesus ressurreto:  κύριός μου καὶ  θεός μου. (“Senhor meu! E Deus meu!”) (Jo 20.28).

Além disso, salta-se aos olhos de qualquer leitor cuidadoso o uso constante da expressão ἐγώ εἰμι (“Eu sou”), a qual aparece vinte e quatro vezes em João, sempre nos lábios de Jesus e varia em seu significado, dependendo do contexto que está inserida (cf. Jo 4.26; 6.20, 35, 41, 48, 51; 8.12, 18, 24, 28, 58; 9.9; 10.7, 9, 11, 14, 25; 13.19; 14.6; 15.1; 15.5; 18.5, 6, 8). Distinguem-se dois usos da fórmula “Eu sou” por Jesus. Um deles é acompanhado por predicados, tais como “Eu sou o pão da vida” (6.20), “Eu sou a luz do mundo” (8.12), “Eu sou a porta das ovelhas” (10.7), “Eu sou o bom pastor” (10.11), “Eu sou a ressurreição e a vida” (11.25), “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (14.6), “Eu sou a videira verdadeira” (15.1).
    

Outro uso da expressão ἐγώ εἰμι é o absoluto (sem um predicado) e aparece de modo muito sugestivo, cujo cenário de origem deve remontar a Êxodo 3.14 e às suas várias ocorrências no Antigo Testamento:

O fundo contextual para as declarações “Eu sou”, especialmente as usadas de modo absoluto, não deve ser encontrado no mundo helenístico, mas no Velho Testamento (Êx 3.14), e em Isaías, Deus deve ser reconhecido como “Eu sou” (Is 41.4; 43.10; 46.4, etc.). Stauffer argumenta que esta expressão é a “mais autêntica, a mais autocrática, a mais audaciosa e a mais profunda afirmação, procedente de Jesus, a respeito de quem ele era”. Através desta expressão peculiar, Jesus elevou-se muito acima de todas as expectações messiânicas contemporâneas aos seus dias e vindicou que a epifania histórica de Deus estava ocorrendo em sua vida ... parece que está acima de qualquer questionamento que, através do uso da expressão egw eimi em sua forma absoluta, Jesus está, em um sentido bem real, identificando-se com o Deus do Velho Testamento.

domingo, 18 de abril de 2010

DISPENSACIONALISTAS TAMBÉM PENSAM: exegese e escatologia em Marcos 13.14-23

Parte 2


13. ... (15) quem estiver em cima, no eirado, não desça nem entre para tirar da sua casa alguma coisa; (16) e o que estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa.
(17) Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!  (18) Orai para que isso não suceda no inverno. (19) Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve desde o princípio do mundo, que Deus criou, até agora e nunca jamais haverá. (20) Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias.

A segunda parte do texto bíblico, em análise, desta série (1o. Artigo, clique aqui) nos informa que a grande tribulação virá de forma tão iminente e brusca que “pegará” muitos de surpresa, a ponto de que os que estiverem em cima de suas casas, talvez dormindo ou realizando alguma atividade (os telhados eram planos e muito do dia-a-dia ocorria ali), precisarão fugir, deixando tudo para trás, sem levar nada consigo (v. 15). Da mesma forma, os que estiverem trabalhando no campo precisarão fugir, sem sequer levar consigo sua capa, para se aquecerem durante a noite fria nas montanhas (v. 16). Grávidas e mulheres que amamentarem encontrarão maior dificuldade pela urgência da fuga e a necessidade de correrem com seus bebês (v. 17). O inverno na Palestina é uma estação de muita chuva, em que os rios transbordam e os caminhos, enlameados, tornam-se quase intransitáveis (v. 18). Este será um momento de tribulação intensa, sem igual em época alguma (v. 19; cf. hai hemerai ekeinai thlipsis com v. 24), mas  já prevista por Jeremias e Daniel, como um momento que antecederia a salvação de Israel e o fim dos tempos (Jr 30.7ss; Dn 12.1ss).
Digno de nota é que ambas as profecias do AT são um prenúncio de tribulação intensa, especialmente, sobre a nação de Israel. A profecia do Senhor Jesus parece se apoiar nesta perspectiva, pois, faz referência especificamente aos moradores da Judéia (v. 15), cujo clima no inverno dificultaria, em muito, a fuga (v. 18), e fala de uma tribulação enorme que antecederá um momento de poderosa salvação para os seus eleitos (vv. 19, 24-27).
Outro paralelo textual, que não pode ser deixado de lado, é a descrição encontrada no livro de Apocalipse, capítulo 12, em que uma mulher que representa a nação de Israel (Ap 12.1 com Gn 37.9-11; Ap 12.5 com Rm 9.1-5) foge de uma perseguição promovida pelo próprio Satanás (vv. 6, 13-14), quando pouco tempo lhe restava, antes de ser vencido (Ap 12.12; cf. 19.19 – 20.3).
Nada disso foge da providência divina, que cuida e se preocupa com seus eleitos (v. 20), uma expressão tanto para Israel (1 Cr 16.13; Sl 105.43; Is 65.9, 15) quanto para gentios salvos e participantes da Nova Aliança (1 Pe 1.1; 2 Tm 2.10; Cl 3.12). Foi Deus quem determinou a brevidade deste período, a fim de salvar Seu povo de tal tribulação. A soberania divina, todavia, não anula a responsabilidade destes eleitos de orarem e clamarem pela misericórdia de Deus num período de tamanha provação (v. 18).
Adolf Pohl questiona o fato de que, se Marcos 13.14-23 trata sobre a grande tribulação, por que o texto não apresenta esta tribulação alcançando o mundo inteiro? (POHL, p. 372). Mas ele ignora um detalhe do verso 20, que diz que, caso tais dias não fossem abreviados, “toda a carne não se salvaria” (ouk esothe pasa sarx), sendo que “toda carne” (pasa sarx) é uma expressão bíblica para indicar a humanidade em sua totalidade (cf. Lc 3.6; Gl 2.16; 1 Pe 1.24). 

DISPENSACIONALISTAS TAMBÉM PENSAM: exegese e escatologia em Marcos 13.14-23

PARTE 1


"Quando vocês virem ‘o sacrilégio terrível’ no lugar onde não deve estar — quem lê, entenda — então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes." (Marcos 13.14)

A PROFANAÇÃO DO TEMPLO

Em textos passados,  no "Fundamentalismo e Reforma", observei que os acontecimentos descritos pelo Senhor Jesus em Marcos 13.1-13 se relacionavam não com eventos necessariamente ligados ao término dos tempos, mas à destruição do templo, em 70 A.D., e ao todo do período da igreja, precedente à grande tribulação e à vinda de Cristo. A partir do verso 14, o Senhor Jesus parece descrever eventos ligados aos finais dos tempos. Primeiramente, porque o texto fala sobre uma tribulação tamanha, tal qual não houve antes e nunca haveria igual (v. 19). Além disso, o verso 24 nos dá uma chave para interpretar os acontecimentos, pois, naqueles diasapós aquela tribulação, a vinda do Senhor Jesus ocorreria (en ekeinais tais hemerais metá ten thlipsin ekeinen - vv. 24-26). Assim, interpretar os acontecimentos como apenas ligados aos acontecimentos da guerra dos judeus e a eventual queda de Jerusalém, entre 66-70 A.D., é desconsiderar os dados do próprio texto.

Um dos acontecimentos ligados à grande tribulação final é o aparecimento do abominável da desolação, uma expressão originada no profeta Daniel (Dn 9.27; 11.31; 12.11cf. Mt 24.15) e que se relaciona ao término dos sacrifícios no templo e a profanação deste. Há uma relação desta expressão de Daniel com o que ocorreu na época dos Macabeus, em 167 a.C. (1 Mc 1.54-59; 6.7), quando um representante de Antíoco Epifânio ergueu um altar pagão sobre o altar de bronze do templo e sacrificou uma porca ali, em homenagem ao deus Zeus (cf. Dn 11). Mas, sabemos que esta profecia não se limita apenas a este acontecimento, já que Jesus fez referência a ela como algo a ocorrer no futuro.

Há uma disputa acirrada entre os comentaristas quanto ao momento do cumprimento desta profecia de Jesus. Vários dizem ter tal anúncio se cumprido durante a revolta judaica, entre 66-70. Alguns dizem que o “abominável da desolação” é a invasão do exército romano em Jerusalém e a destruição por eles do templo, no ano 70 A.D (ver HURTADO, NICB, p. 215-217). Outros dizem que isso ocorreu quando os zelotes instituíram Fani, um homem primitivo, como sumo-sacerdote e o fizeram entrar no santo dos santos (ver POHL, p. 372-373).

O grande problema com estas interpretações é que elas não levam em conta, o suficiente, as indicações, dos versos 19 e 24, de que estes acontecimentos se relacionavam com o fim dos tempos e que a expressão “mas” (), em 13.14, aponta para um contraste entre os acontecimentos de 4-13 e os de 14-23.

Daniel, também, relaciona o aparecimento do “abominável da desolação” com o final dos tempos, quando o povo de Deus será purificado por Ele e, então, liberto (Dn 12.1-3, 9-12). Além disso, o apóstolo Paulo menciona uma cena muito semelhante, quando o Anticristo se assentará no “santuário de Deus” e reivindicará para si a própria divindade, mas será destruído pela vinda do Senhor Jesus (2 Ts 2.3-4, 7-10). Este último texto se assemelha muito com a cena de Marcos 13, que fala do “abominável da desolação” se colocando “no lugar em que não deve” (v. 14) e, logo após a tribulação de tais dias, o Senhor Jesus vindo para salvar seu povo (vv. 24-26).

O sinal claro, então, dos fins dos tempos não é, necessariamente, guerras ou terremotos, ou fomes ou falsos profetas. Mas, sim, a revelação do Anticristo e sua profanação do templo de Deus, em Jerusalém. Qualquer alarde desvinculado disso é jogar tempo fora e perder de perspectiva a nossa missão (vv. 9-11).

domingo, 28 de fevereiro de 2010

A ONTOLOGIA NEOPLATÔNICA

Éder Marques


1. PRESSUPOSTO ONTOLÓGICO: CONCEITO GERAL.
            
        Existe uma ciência que tem como objetivo o estudo do Ser, e que se dedica às suas determinações necessárias, a ontologia. Por ontologia, entende-se o estudo que tem como fundamento ou paradigma o Ser, e aqueles caracteres que somente o Ser possui e não pode deixar de possuir.             
            O termo ontologia se encontra muitas vezes relacionado à palavra “metafísica”[1]. Poderíamos descrever mais detalhadamente diversos conceitos sobre o apontado termo, mas faltaria-nos tempo necessário para determinada apresentação; justamente pela amplitude do assunto, já antes desenvolvido por muitos ao longo da história da filosofia.
            No entanto, pela necessidade de localização, em busca de saber onde estamos iniciando a nossa pesquisa, e para onde estamos indo com ela, sugerimos uma definição etimológica aristotélica. Para Aristóteles metafísica é a “ciência Primeira, no sentido que fornece a todas as outras (ciências) o fundamento comum, isto é, objeto a qual todas se referem, sendo assim o princípio das quais todas dependem”[2]     
            Desta ciência procedem todas as outras e é, por isso, a ciência Primeira, enquanto seu objeto está implícito, nos objetos de todas as outras ciências e, enquanto consequência, o seu princípio condiciona a validade de todos os outros princípios.
            Nos livros VII, VIII e IX da metafísica de Aristóteles, é descrita, portanto, a metafísica como a substância (ousía). Entendendo-se por substância “aquilo que um Ser não pode deixar de ser, isto é, a essência necessária, que causa a necessidade de ser”.            
Assim, achamos por necessário como introdução ao nosso estudo, fornecer aos leitores um pouco de luz ao tema proposto por nós, encarnado este singelo apontamento, somente para nortear-nos a respeito do assunto que buscaremos trabalhar. Compreendendo a complexidade do assunto sugerido, como introdução ao nosso capítulo, ousamos apresentar o que segue. No entanto, deixaremos, a partir de agora, de tratar o assunto de uma forma geral, e nos concentraremos  em descrever o assunto fundamentado no pensamento neoplatônico. 

2. A ONTOLOGIA NEOPLATÔNICA: O UNO, SUA PRIMEIRA HIPÓSTASE.
        
          Para falarmos sobre o Ser (Ontos), que é um assunto central no pensamento neoplatônico; tentaremos não utilizar o termo antigo metafísica. Então, buscaremos apresentar o tema, utilizando um termo mais moderno por nome de ontologia, que no desenvolver da nossa pesquisa será transferido por Uno, ou retratada nele.  
            Entre muitos pensadores neoplatônicos[3] que poderíamos mencionar para melhor fundamentar na apresentação do estudo e nos fornecer um pouco mais de clareza ao assunto; por questões de prioridades, e de destaque nesta na escola neoplatônica, nos ocuparemos somente em apresentar um deles: Plotino, que em nossa percepção é fundamental para o desenvolvimente de todo o conceito ontológico do neoplatonismo.           
            “É impossível entender a originalidade e a novidade de Plotino[4] e, em particular, sua contribuição pessoal à “segunda navegação” (neoplatonismo), se não compreender a reforma estrutural que ele realiza tanto na metafísica platônica como na aristotélica e que leva a resultados, sob mais de um aspecto, revolucionário” (Reale, pag, 41). 
            É evidente que encontramos em Plotino esta originalidade,  e este presente conceito inovador, que por nós merece destaque e que, consequentemente, trouxe ao neoplatonismo um rompimento em relação à ontologia clássica. Tal originalidade, que fez de Plotino um pensador inovador, diz respeito à nova concepção do Uno.
            Se para Aristóteles a ousía era o princípio último do real, e a inteligência do Motor Imóvel, para Plotino, ao contrário, o princípio é ainda ulterior, é o Uno que transcende a própria ousía e o próprio Nous[5]. Plotino apresenta o Uno como fundamento e o princípio absoluto.
            Para Plotino, o Uno é considerado não como algo que possa ser definido e nomeável, mas como o principio absoluto do qual todas as coisas derivam, que transcende a toda afirmação e nomeação. E o termo de maior expressão que poderia retratar a realidade deste Uno plotiniano é: “ulterior”. Ou seja, ele (o Uno) está além até mesmo da essência que poderia retratá-lo, e do pensar que poderia imaginá-lo. O Uno de Plotino vai muito além de pensante e pensado.
            A característica fundamental do Uno plotiniano se percebe em sua demonstração como o Ser que se apresenta comportando em si a infinitude. Neste aspecto, Plotino rompe radicalmente com toda uma ontologia (metafísica) clássica. Como diz Reale em seu livro sobre o neoplatonismo: “Em Platão e Aristóteles (e, em geral, no pensamento grego), prevaleceu a idéia de que o infinito comportasse imperfeição (isto é, que fosse sinônimo de indeterminado e de-incompleto) ao passo que o finito (no sentido de de-terminado e completo) fora associado com o perfeito. Platão compreendera o princípio como limite (péras) e o princípio material como o ilimitado e o infinito (ápeiron)[6]. Aristóteles, por sua vez, declarara impossível a existência do infinito em ato e concebera o infinito como puramente  potencial, circunscrevendo-o à categoria da qualidade e, além disso, afirmara que o perfeito implica sempre em um fim e o fim um limite[7]. Plotino entendia ser a unidade a expressão da perfeição e da realidade, ou melhor, de toda realidade. Portanto a unidade é o princípio de perfeição e de realidade superior, um Ser onde está contido potencialmente toda multiplicidade.     
            A Ontologia neoplatonica, especificamente demonstrada por Plotino, produziu um efeito inovador em toda a maneria ontológica do pensar. A Plotino devemos esta inovação, este entendimento que o Uno é um Princípio ainda “ulterior”.   


[1] Ciência primeira, isto é, a ciência que tem como objeto próprio, o objeto comum de todas as outras, e como princípio próprio, um princípio que condiciona a validade de todas as outras. 
[2] Dicionário de Filosofia. Ed. Unesp.
[3] Amônio Saccas, Plutarco, Porfírio, Orígenes, o pagão e muitos outros.
[4] O grande mentor do neoplatonismo.
[5] REALE, Giovanni. Plotino e Neoplatonismo. Ed. Loyola, São Paulo.41.
[6] REALE, Giovani. Plotino e Neoplatonismo. Ed. Loyola. São Paulo. Pag, 44.
[7] Idem, pag. 44.

PONDO LENHA NA FOGUEIRA: QUAL A DATAÇÃO DO ÊXODO?


Com a ausência de outra literatura do Antigo Oriente relatando o evento do êxodo hebreu,[1] o AT se torna o documento principal para a sua datação e é complementado por evidências externas, tanto arqueológicas quanto literárias da época. Um texto central do AT para a descoberta da data do êxodo se encontra em 1 Reis 6.1. Ali, o leitor é informado que o rei Salomão iniciou a construção do templo no quarto ano de seu reinado, período reconhecido, majoritariamente, pelos estudiosos bíblicos como sendo próximo de 967-966 a.C.[2] Seguindo a informação do autor bíblico, de que a construção do templo iniciara 480 anos depois da libertação definitiva dos hebreus da escravidão, o êxodo deve situar-se por volta de 1446 a.C., durante o reinado do Faraó Amenotepe II[3] (aprox.1450-1421 a.C.).[4]
Outra indicação que favorece esta data antiga é a menção feita pelo juiz Jefté, em Juízes 11.26, perante os invasores amonitas, de que Israel já habitava na Transjordânia há trezentos anos. A vitória de Israel sobre Amom, debaixo da liderança de Jefté, ocorreu próximo a 1100 a.C., uma data amplamente aceita,[5] anterior ao rei Saul que começou a reinar cerca de 1.050 a.C.[6] Então, a conquista necessita ser datada perto do ano 1400 a.C., correspondendo a um êxodo de quarenta anos antes, próximo a 1440 a.C.
A referência de Jefté é por demais pertinente ao debate sobre a datação da saída israelita, porque o número de 1 Reis 6.1, 480 anos, tem sido visto como representativo de gerações ideais, cada uma representada por 40 anos, indicando 12 gerações.  Todavia, como cada geração inicia cerca de 25 anos depois da anterior, então, as 12 gerações de 1 Reis 6.1 deveriam ser igualadas a 300 anos, sugerindo a data de 1266 a.C. para o êxodo.[7] Porém, pelo fato de que os 300 anos citados pelo juiz Jefté não podem ser divididos por 40 anos, simbolizando gerações ideais, logo a teoria aplicada ao relato da construção do templo, não condiz com Juízes 11.26, requerendo, portanto, uma compreensão literal de ambas as narrativas feitas pelos historiadores bíblicos.[8] Petrovich acrescenta que a referência cronológica do texto de 1 Reis se dá mediante numeral ordinal, “quadricentésimo octogésimo ano”, dificultando ainda mais o uso figurado dele.[9]
Alguns fatos da história egípcia contribuem para uma data remota da libertação hebréia. O relato bíblico de Atos informa que Moisés tinha cerca de 40 anos quando matou o egípcio e fugiu para Midiã (At 7.23-29). Passados outros 40 anos, ele se encontra com Deus que o comissiona para libertar seu povo do jugo opressor (At 7.30-36). Isso se sintoniza com Êxodo 7.7 que afirma ter Moisés 80 anos quando se apresentou perante Faraó, reivindicando a libertação de Israel. O Faraó que buscou matá-lo (Êx 2.15), já não é mais o mesmo quando Moisés retorna (Êx 2.23; 4.19). Pois, o Faraó anterior morrera pouco antes do retorno do hebreu ao Egito (Êx 4.19), e depois de muito tempo do assassinato cometido por ele (Êx 2.23). Apenas um rei egípcio que reinasse muito tempo, cerca de 40 anos, poderia preceder o Faraó do êxodo. Dois Faraós surgem como candidatos entre os séculos XV e XIII, Tutmose III e Ramsés II.[10]
Há dificuldade na datação do êxodo após a época de Ramsés II (ca. 1301-1234 a.C.)[11], pois o relato bíblico afirma ter Israel andado durante 40 anos pelo deserto, até a sua chegada na Terra Prometida (Êx 16.35; Dt 2.7; 8.2). Conforme o texto da “Estela de Israel”, no quinto ano do reinado de Merneptá (1229 a.C.), o Faraó seguinte a Ramsés II, houve uma campanha militar realizada por ele na Palestina, na qual combateu e venceu Israel.[12] É completamente impossível encaixar os 40 anos de peregrinação hebréia dentro dos cinco primeiros anos de Merneptá.
Por outro lado, não existe nada contrário à possibilidade de que Tutmose III (ca. 1506-1552 a.C.)[13] tenha sido o rei egípcio, durante o reinado no qual Moisés fugiu e viveu no exílio por quarenta anos. A preocupação pessoal do Faraó em matar Moisés (Êxodo 2.15) sugere esta probabilidade, desde que o hebreu poderia muito bem ter sido adotado por Hatshepsute, madrasta e tia de Tutmose III, que reinou juntamente com ele por 20 anos.[14] Ela era a única filha de Tutmose I que teria coragem de enfrentar uma proibição expressa do pai, ao adotar Moisés (Êx 1.15-22),[15] e apenas ela se encaixa no relato de Êxodo 2.5-10, já que sua irmã falecera ainda na infância.[16] O medo de qualquer ameaça que Moisés pudesse representar à sua posição como soberano sobre o Egito, levaria, provavelmente, Tutmose III a um interesse especial em eliminá-lo.[17]
Outro paralelo entre o texto bíblico e a história egípcia, que indica Amenotepe II como o Faraó do êxodo, foi o ocorrido na décima praga. Deus havia prometido tirar a vida do primogênito do Faraó (Êx 4.22-23; 11.15) e assim o fez (Êx 12.29). Textos egípcios indicam fortemente que Tutmose IV, o herdeiro do trono de Amenotepe, não foi seu filho mais velho.[18] A famosa “Estela do Sonho” encontrada junto às patas da Grande Esfinge retrata o deus Harmaquis prometendo o trono ao jovem Tutmose, caso ele removesse a areia que ameaçava à esfinge: “Vê-me, olha para mim, meu filho Tutmoses! Eu sou teu pai, Harmaquis ... eu te darei o trono de Geb, príncipe real [dos deuses] ... as areias do deserto se amontoavam sobre mim, mas esperei para te permitir fazeres o que está em meu coração, pois sabias que és meu filho e meu protetor”.[19] Apenas se esta não fosse a expectativa normal de Tutmoses é que tal sonho teria explicação lógica.[20]
Diante das observações dos dados da história bíblica e do Egito Antigo, a conclusão inevitável é a datação do Êxodo por volta de 1446 a.C.


[1] BRIGHT, John. História de Israel. 7 ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 155-159.
[2] Ver MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 60; ARCHER, Gleason L., Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento?3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 139; PETROVICH, Douglas. “Amenhotep II and the historicity of the Exodus-Pharaoh”. InTHEOLOGICAL MASTER’S SEMINARY JOURNAL, v. 17, no. 1, p. 81-110, Spring, 2006. p. 83; KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old TestamentLondon: Inter-Varsity. 1966. p. 72.
[3] Também denominado em outras obras como Amenófis II. Ver BRIGHT, John. Op cit. p. 156; PINTO, Carlos Osvaldo. História do Oriente Médio Antigo. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2005. (Material não publicado – Apostila do curso de Mestrado em Teologia). p. 21-22.
[4] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 139; SCHULTZ, Samuel J. Habla el Antiguo Testamento: um examen completo de La historia y literatura del Antiguo Testamento. Disponível em www.graciasoberana.com. Acessado no 1º. Semestre de 2006. p. 36, 38-39;  MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 60-62; PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 83-84, 87.
[5] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 61.
[6] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 140.
[7] BRIGHT, John. Op cit. p. 158.
[8] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 61. Kitchen, apesar de propor que Jefté possa ter agregado o número de períodos simultâneos de Juízes, reconhece que “não temos nenhuma indicação sobre a qual construir”. Ver KITCHEN, K.A. Op cit. p. 74.
[9] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 85.
[10] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 145; MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 55.
[11] PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 24; ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 143-44.
[12] ARCHER, Gleason L. Op cit. p. 144-145.
[13] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 87.
[14] DEL PRADO. O mundo egípcio: deuses, templos e Faraós. Madrid: Del Prado, 1996. v. 1. p. 43.
[15] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 52, 54.
[16] PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 106-107.
[17] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 54.
[18] Ver as evidências em PETROVICH, Douglas. Op cit. p. 87-88.
[19] PRITCHARD, J.B (ed.). Ancient Near Eastern Texts. Princenton: Princenton University, 1950. p. 449. (Tradução do trecho por Carlos Osvaldo Pinto).
[20] MERRIL, Eugene H. Op cit. p. 56; PINTO, Carlos Osvaldo. Op cit. p. 22.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A POSSIBILIDADE DE FAZER TEOLOGIA PELA VIA DA NEGAÇÃO [1]

Eder Marques


A reflexão central de nosso texto se ocupará em responder uma questão que consideramos de uma importância singular, para o desenvolvimento de uma teologia concentrada no senso do mistério Divino.

E a pergunta que de inicio fazemos, norteará todo o desenvolvimento, retratando o tema por nós proposto a apresentar. Será que podemos fazer teologia somente pela via da negação? Será que somente pelo apofatismo somos capazes de apresentar uma teologia coerente, e aceitável às pessoas que nos ouvem? E fundamentado em que, podemos acreditar que iremos ser bem sucedidos em nossa tentativa?

Primeiramente, o que nos enche de esperança, é presenciar nas Escrituras (a fonte mais confiável que temos para constituir um conceito exato sobre Deus), a possibilidade de construir uma teologia negativa.

Nossa argumentação dependerá profundamente de passagens das Escrituras, evidentemente. As Escrituras afirmam que Deus é o ser que ninguém jamais viu[2]. E este Ser que ninguém jamais viu, habita em uma luz inacessível[3]. A impossibilidade presente do acesso a este Deus, tem sido um assunto de considerável importância para as Escrituras Sagradas.

Com esta afirmação Bíblica, compreendemos o que está sendo posto diante de nós. A profunda diferença do nosso ser, diante do ser de Deus. A imortalidade e a inacessibilidade, contrariando a mortalidade e a corruptibilidade humana.

Em segundo lugar, temos o testemunho da patrística e do medievo[4]. Mesmo considerando todo esforço humano da teologia presente nestes períodos, as maiores tentativas de definições que conseguiram alcançar para falar sobre Deus, foram: incompreensível, indizível e inefável. Por inefável compreendemos a impossibilidade de afirmar algo sobre a essência de Deus (ontologicamente falando). O que nos vem em mente, quando pensamos no termo inefável é o que Paulo diz aos coríntios, a respeito de sua experiência mística, seu encontro com “Aquele que está além do horizonte, e acima de suas forças”[5].

O que nos traz um pouco de espanto (no sentido filosófico que nos leva a pensar), é ler que Paulo faz questão de enfatizar, que ele apenas ouviu, ele não disse que viu! Mas, somente ouviu; palavras inefáveis, que aos homens não é licito falar[6]. Esta afirmação paulina, no mínimo nos coloca em admiração profunda, e nos faz concordar com o filósofo neoplatônico Proco, “Ele é Trevas Divina”, a ausência na presença, e a presença na ausência, o silencio é Seu habitat natural. Mas ele, Paulo, disse que somente ouviu, imagine se ele tivesse visto? Se as palavras não tinham como descrever em termos humanos o que ele ouviu, muito menos teria possibilidade de descrever o que possivelmente pudesse ver.

Nesta impossibilidade de afirmar qualquer conceito sobre Deus, encontramos a utilidade da via da negação, conhecida por muitos como teologia apofática. No apofatismo teológico, temos como figura central, ou talvez seu maior expoente, um sírio conhecido por Dionísio, pseudo areopagita[7].

O que é importante que saibamos de inicio, no que se refere à “via da negação”, é que ela não é uma “a-teologia”, como bem disse Jonas Madureira em seu livro de filosofia publicado pelas edições Vida Nova. Mas sim um caminho, para uma proposta teológica, onde tem como parceira no labor, a teologia afirmativa, ou katafática, como muitos de nós a conhecemos.

Mas, o que tem tomado importância em nosso texto é somente o beneficio que a via da negação poderá nos trazer. E um dos grandes benefícios é nos fornecer novamente, o que temos perdido com o tempo, que é o senso do ministério Divino.

A banalização, e a vulgarização do Divino está presente nos nossos discursos, e nos nossos falsos conceitos sobre Deus. E talvez uma pitada de apofatismo, nos devolveria o que temos perdido, ou melhor, o que temos abandonado.

Concluímos que não somente é possível, como também é necessário construir, e constituir uma teologia negativa, que nos devolverá o senso do mistério Divino, afinal, temos que saber com quém estamos falamos, sobre o que estamos falando e o que falamos quando falamos.

Sabemos, que por mais que a via da negação dependa da via afirmativa para ser uma boa teologia, ou para se afirmar como teologia, assim como Dionísio, pseudo areopagita, neste atual momento, pela necessidade que nos encontramos, optamos pela primeira. “Negamos todo o sensível, todo inteligível. E pela via da negação nos uniremos com aquele que está acima de todo sentido, e de todo o inteligível” (teologia mística) .

Continuando a citar Dionísio, o Areopagita, “para falar afirmativamente Daquele que transcende toda a afirmação, seria preciso que nossa hipótese afirmativa tomasse apoio sobre o que está mais próximo Dele. Mas, para falar negativamente Daquele que transcende toda a negação, começa-se necessariamente por negar Dele o que está mais distante Dele”.

Mas, também como Gregório de Nissa, temos nossas ponderações. “Nem a todos, meus amigos, nem a todos cabe filosofar sobre Deus. Pois o assunto não é tão simples e baixo. Nem a todos, nem diante de todos, nem em qualquer momento, nem sobre todos os assuntos, mas, diante de certas pessoas, em certas ocasiões, e com certos limites”.


[1] Também conhecida por Teologia Apofática.

[2] Jo 1.18; 1Jo 4.12.

[3] 1 Tm 6.16.

[4]Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa, Pseudo Dionísio, João da cruz, Agostinho, Tomás de Aquino, Mestre Eckhart e muitos outros.

[5]BARTH, Karl. Catas Aos Romanos. Ed. Fonte Editorial. São Paulo. Pg, 36.

[6] 2 Cor 12.4.

[7]Sobre Pseudo Dionísio, trabalharemos melhor em outro texto futuro.

REPENSANDO A ADOÇÃO BIBLICAMENTE


PARTE 1

Carol Amy[1]



A DEFINIÇÃO DIVINA DA VERDADEIRA RELIGIÃO

Tiago 1.27 diz: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. Em nossa sociedade há muitas crianças que não são órfãs no sentido estrito da palavra. Elas têm pais vivos, mas esses são incapazes (geralmente por causa de atos do governo) ou não querem criá-las. Alguns perderam o direito paterno; outros se dispuseram voluntariamente a renunciar esse dever. Embora não sejam exatamente órfãs, elas não têm pais e precisam da proteção, conforto e orientação que um casal crente pode oferecer. Crer e obedecer a esta passagem pode tirar rapidamente o casal do desespero e da autopiedade e fazer com que encarem suas responsabilidades e oportunidades. Um casal pode ensinar a um órfão sobre o amor de Jesus. Lembre-se, é no serviço cristão que perdemos a vida por causa de Cristo e, portanto, nEle a achamos. É no serviço cristão que nossa verdadeira bênção é recebida e é em Cristo que encontramos a verdadeira alegria. Férteis ou não, solteiras ou casadas, somos chamadas para cuidar dos órfãos. Embora haja falta de bebês que possam ser adotados, existem outros meios disponíveis.[2]


Deus declara que ele é “o Deus grande, poderoso e terrível [...] que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestido” (Dt 10.17, 18). Somos encorajados a ser como Ele - a não amar apenas “de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1 Jo 3.18). Fazemos isto quando procuramos satisfazer a necessidade de outra pessoa, em vez de fecharmos nosso coração contra ela (veja 1 Jo 3.17).


A bênção de Deus não é prometida como um subproduto de se ter filhos. Sua bênção é, porém, o resultado do cuidar daqueles a quem Deus leva até você (Tg 1.25, 27). A alegria vem da obediente submissão a um Pai amoroso, quer Ele decida dar filhos a você biologicamente ou por outro meio, tal como adoção, ou cuidar de crianças durante um certo período de tempo.


As diretrizes das Escrituras em relação ao cuidar de outros devem motivar a mulher cristã estéril a fazer mais do que pagar impostos para cobrir os gastos com o bem-estar social. Contribuir para as casas de órfãos locais ou enviar dinheiro para as agências missionárias são meios de participar desses cuidados, mas Deus pode muito bem ter outro plano para ela. Ela não deve considerar a adoção, os cuidados eventuais de crianças, ou tornar-se guardiã legal de um órfão como segunda opção.


TODO CRISTÃO É UM FILHO ADOTIVO

Todo cristão é um filho adotivo de Deus. Embora a adoção seja raramente mencionada no Antigo Testamento (como no caso da adoção de Moisés pela filha de Faraó), o cuidar dos órfãos é mencionado freqüentemente. Além disso, a adoção é um tema importante no Novo Testamento. Romanos 8.15 nos diz: “Porque não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos pelo qual clamamos Aba, Pai”. O termo “Aba” é uma palavra aramaica que “corresponde ao nosso ‘papai’ ‘paizinho’”.[3] Isto mostra a intimidade do relacionamento entre nós e nosso pai adotivo, Deus. Em Gálatas 4.6, Paulo usa novamente a palavra “Aba” com respeito à adoção: “E, porque sois filhos, Deus enviou aos nosso corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. Em Romanos 8.23, somos encorajados a aguardar ansiosamente a plenitude de nossa adoção.


Nossa adoção como filhos de Deus não foi um acontecimento acidental ou uma segunda opção, uma decisão tomada por Deus como último recurso. As Escrituras declaram claramente que Deus nos escolheu e nos procurou: “[Ele] nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o bom propósito de sua vontade” (Ef 1.5). A adoção sempre fez parte do plano de Deus para nós. Nenhum de nós está na família de Deus por mérito próprio ou descendência. Ele nos procurou e nos comprou com seu próprio e precioso sangue. Deus se agradou em adotar-nos. Do mesmo modo, devemos ter prazer em cuidar dos órfãos.


Jesus ensina que tratar dos aflitos é uma das marcas do verdadeiro crente. Na parábola das ovelhas e dos bodes (Mt 25.31-46), o Senhor separa os seguidores fiéis dos falsos, notando que os verdadeiros cuidaram dos famintos, sedentos, nus, doentes, prisioneiros e estrangeiros necessitados. Nós éramos “estrangeiros e forasteiros” antes de sermos adotados por Deus, mas agora somos “concidadão dos santos e da família de Deus” (Ef 2.19). O ponto é claro: Deus certamente espera que cuidemos daqueles que estão fora da nossa família biológica como parte do seu plano de introduzir estranhos na casa do Pai.


SÓ PELA SUA JUSTIÇA

Temos de lembrar que só quando a justiça de Jesus é colocada sobre nós, mediante seu sangue derramado no Calvário, é que Deus pode olhar para nós. Romanos 5.6 diz: “Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Paulo declara em Romanos 3 que somos indignos. A mulher que estiver lutando com a idéia de adotar filhos deve pensar no amor de Deus por ela quando era completamente indigna e perdida. Deus cuidou dela quando era inimiga dEle. Estará ela disposta a cuidar de crianças que não são suas, que podem ser de raça mista ou deficientes físicas? Encoraje-a a entregar ao Salvador os cuidados e dúvidas suscitados pelo mundo. Ele irá fortalecê-la, encorajá-la e ajudá-la e tornar-se uma mãe para os órfãos.


ALGUNS EXEMPLOS PIEDOSOS

C.T. Studd era um formando rico, de boa aparência, da Universidade de Cambridge, e possuía tudo o que o mundo tem a oferecer; todavia, ele decidiu passar a vida como missionário nas selvas infestadas de malária da África. Studd declarou: “Se Cristo, que era Deus, morreu por mim, nada que eu faça pode ser chamado de sacrifício”. Esse deveria ser o grito do coração de todo crente. Alegria real e duradoura é encontrada quando perdemos a vida por causa de Jesus; ela não se encontra na preservação da nossa carne mortal nem em propagá-la. Embora haja alegria na concepção de filhos, este prazer não se compara absolutamente ao júbilo eterno que vem do serviço prestado a Deus.


Jenny[4] deveria estudar a vida de Amy Carmichael, que deixou a Inglaterra em 1895 e foi para a Índia, permanecendo ali até sua morte em 1951. Dependendo apenas da graça de Deus, ela resgatou uma criança após outra dos templos pagãos onde seriam sacrificadas ou usadas como prostitutas.[5]

[1] Fonte do Artigo: AMY, Carol. “Aconselhando mulheres que estejam pensando em adotar filhos”. In: FITZPATRICK, Elyse, CORNISH, Carol. Mulheres ajudando mulheres. Rio De Janeiro: CPAD, 2001. p. 246-249.

[2] Nota do dono do Blog: a autora aqui faz uma referência à realidade norte-americana.

[3] YOUNGBLOOD, Ronald F. Nelson’s Illustrated Bible Dictionary (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1995). p. 2.

[4] Nota do Dono do Blog: a autora faz referência a uma aconselhada sua.

[5] Nota do Dono do Blog: Amy Carmichael fez isso por meio de um orfanato conhecido como Donhavur Fellowship.

domingo, 8 de novembro de 2009

REPENSANDO A ADOÇÃO BIBLICAMENTE

INTRODUÇÃO AO TEMA

Ultimamente, por algumas razões, tenho pensado bastante sobre a questão da adoção de filhos. Especialmente, refletindo sobre o conceito popular de que “filho adotivo” é sinônimo de “filho problemático”. Geralmente, o argumento que ouço é o da experiência; e, para isso, citam-se diversos exemplos de filhos adotivos que deram problemas para os seus pais e se desviaram do evangelho.

Quando escuto esse tipo de discussão não consigo ser facilmente convencido por tal filosofia popular. Primeiramente, porque como cristão-protestante, creio que as Escrituras devem nortear todas as áreas de nossas vidas, inclusive a decisão sobre adotar uma criança. Em segundo lugar, pela falácia de tal argumento. Quantos filhos naturais não dão problemas aos seus pais? Além disso, o que seria melhor deixar uma criança entregue à própria sorte, num orfanato, debaixo da influência de ímpios, sem uma estrutura familiar, ou arregaçar as mangas, ajudar e expressar de forma concreta o amor do próprio Deus ao órfão? “Pai dos órfãos e juiz das viúvas é Deus em sua santa morada” (Sl 68.5).

Por fim, percebo da parte de pais que adotam, um atitude piedosa, a expressão da verdadeira religião descrita por Tiago: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta:visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.” “Visitar” aqui não é, simplesmente, ir a um orfanato, uma vez por mês com a igreja, mas ir de encontro às necessidades (“tribulações”) dos órfãos, em todos os aspectos, inclusive a paternidade e maternidade. Foi esta mesma disposição piedosa que vi em meus pais quando adotaram minhas duas irmãs há 20 e 15 anos atrás e, também, por parte de John Piper quando adotou sua filha Talitha:

“No dia 15 de Dezembro, John, Noël, Abraham e Barnabas deram as boas-vindas à Talitha Ruth de dois meses de idade. Ela veio aos braços de seu pai com um imenso sorriso ...

... Nós agradecemos a Deus, do fundo de nosso coração, por vocês, nossos amigos. Talitha é abençoada por ser bem-vinda não apenas por nossa família física, mas também, por nossa família de irmãos e irmãs crentes. Vocês já têm derramado tal amor, esperança e alegria sobre nós.

Nossa mais profunda oração pela Talitha é que, num dia, ela esteja diante do trono de Deus, entre os santos – entre todos vocês – por ser ela adotada uma segunda vez, por Deus.”[1]

Diante disso, compartilharei em forma de artigos, trechos de um capítulo escrito pela Dra. Carol Amy, no livro “Mulheres ajudando mulheres”, editado por duas conselheiras bíblicas, Carol Cornish e Elyse Fitzpatrick. A abordagem bíblica da Dra. Amy é perspicaz e profunda, sendo impossível lê-la sem uma reflexão séria. As duas editoras do livro são conselheiras bíblicas sérias e destaco, especialmente, a Elyse Fitzpatrick que ganhou minha admiração e respeito por sua confiança e defesa da suficiência das Escrituras.

Aguardem o próximo post e a primeira parte dos artigos de Carol Amy.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

É TOLICE ME CASAR COM ALGUÉM QUE EU SEI QUE MORRERÁ LOGO?


Pergunta ao Pr. John Piper:

Eu quero me casar, mas a mulher que eu amo tem uma doença crônica. Isto está se tornando cada vez pior. Alguns membros de minha família me dizem que eu não deveria me comprometer com ela, mas eu creio que Deus tem me chamado a servi-la desta forma. É tolice casar com alguém que morrerá logo?

Resposta do Pr. John Piper:

Isso é tolice? Não, isto não é tolice. Não, se todas as outras coisas estão em ordem, certo? Qualquer casamento poderia ser tolice, mas esta não é a razão principal.

Casar com um descrente seria tolice. Casar quando você é totalmente incompatível teologicamente, seria tolice. Casar quando você é imaturo ou não tem recursos seria tolice. Há muitas razões pelas quais um casamento seria tolo. Mas, amar alguém que está morrendo não é uma delas, eu creio; especialmente quando você está livre para casar quando a esposa morre.

Agora, eu sei que a pessoa que pergunta isso, não está pensando desta forma, como: “Ó, eu me casarei novamente dentro de três anos depois que ela morrer”. Esta não é a forma que eles pensam! Eles pensam: “Eu amo esta pessoa, eu quero viver com esta pessoa e quero cuidar dela!”. Eu creio que isto é lindo.

Por isso, eu fiz o casamento de um homem que estava morrendo de leucemia e o casamento durou menos que um ano. Todo mundo sabia que isso duraria menos que um ano. Isto é impressionante. Ela era linda e ele, belo. Nove meses depois ele estava morto e este era o esperado.

Eu conheci outra situação em que uma mulher casou com um homem com AIDS que havia vencido suas inclinações homossexuais. Esse casamento durou, talvez, cerca de seis anos e, então, ele morreu. E isso foi lindo.

Eu sei que deve ser muito doloroso para os pais olharem para isso e pensar: “Você não percebe quanto sofrimento isso trará para a sua vida?” Mas o que mais é novo e certo acerca da vida e do casamento?

Assim, eu diria que esta não é a principal questão aqui. A principal questão é: Você é capaz – teologicamente, pessoalmente, no uso de recursos – de amar harmoniosamente, docemente e profundamente, juntamente com Jesus, neste casamento?

Tradução: Tiago Abdalla

Texto original, disponível em inglês no link:

http://www.desiringgod.org/ResourceLibrary/AskPastorJohn/ByTopic/45/4208_Is_it_foolish_to_marry_someone_I_know_will_die_soon/